Segunda-feira, 25/01
Descobrimos, na noite de sábado, que Isis não moraria conosco, porque estava designada a trabalhar em uma vila no interior. Por isso, ela viajaria para seu destino na segunda de manhã. Com suas malas prontas, esperamos pelo pessoal da AIESEC vir buscá-la, mas eles ligaram e avisaram que não conseguiriam viajar com ela na data combinada. Isto significava que passaríamos mais um dia desempenhando o papel de babá.
Nesta dia, resolvemos começar a almoçar no campus, na cantina do dormitório do Felipe, pois seria mais barato e nos alimentaríamos melhor. Perto do meio-dia, saímos para lá e acertamos com os responsáveis que almoçaríamos ali todos os dias.
Deram-nos uma bandeja, daquelas com divisórias, uma colher e um copo. Seguimos em fila pelo balcão, onde podíamos escolher o que queríamos. Eu não sabia identificar o que estava na minha frente, à exceção do arroz branco, então resolvi testar um pouco de tudo.
No resumo da ópera, até agora não sei o que eu comi. Só sei que não havia nenhum tipo de carne e tudo estava muito apimentado. Hoje, depois de três semanas aqui, o Felipe resolve me dizer que, se eu colocar limão na comida, o ácido neutraliza o gosto da pimenta.
Corri para o balcão atrás de limões e, para a minha alegria, havia alguns cortados para se colocar nos molhos. Catei quatro e os respinguei por toda a comida, que ficou com gosto azedo. Bem, melhor azedo do que apimentado.
Saímos de lá e passamos parte da tarde na biblioteca, acessando a internet. No fim da tarde, fomos até o Tikka (o “restaurante” do egg roll) para experimentar o famoso Tchai e comer os chocolates caseiros que o pessoal da AIESEC trouxe do Congresso Nacional em que estiveram e, com os quais gentilmente nos presentearam.
No primeiro gole, não gostei do sabor do Tchai. Quer dizer, eu nunca havia tomado chá com leite antes na vida! Então, o gosto foi meio estranho. Logo mudei de ideia. Senti que o Tchai tem um gosto refrescante, acho que é de gengibre, e até que não é de todo ruim.
Saímos de lá e fomos até a Café Coffee Day, a cafeteria que sempre vamos, porque tínhamos uma reunião com o presidente do comitê local da AIESEC. A Sandra queria fazer umas reclamações sobre como foi recebida aqui e eu queria discutir o rumo do meu projeto. Em meio a Capuccinos, nossa amigável discussão não terminou em resultado algum e seguimos sozinhas para o flat.
O homem que pedala o Rickshaw não entendia onde queríamos chegar e nos vimos no meio de um bolor de gente discutindo nosso destino. Sandra ficou muito frustrada e começou a chorar, Isis não se mexia de medo e sobrou para mim tomar as rédeas da situação. Conversei o máximo que consegui com as pessoas ao meu redor, puxei as duas dali e liguei para que alguém viesse nos buscar.
Sandra ainda chorava enquanto voltamos pelo caminho escuro, a pé, acompanhadas por um membro do comitê. Indignada, peguei o telefone e liguei para o Presidente da AIESEC aqui, que não me atendeu e passou o telefone para um de seus vice-presidentes. Falei, mais uma vez, tudo que havia falado em nossa reunião informal anterior e fiz exigências por mim e pela Sandra. Novamente, nos foi prometido que meu projeto andaria melhor, teríamos internet em casa e seria encontrado um jeito para não termos de nos deslocar mais sozinhas a noite.
Quero ver.
Por enquanto, dependemos da boa vontade dos outros membros em nos acompanhar até o flat e do spray de pimenta que Sandra trouxe do México.
Terça-feira, 26/01
Pela manhã cedo, Isis finalmente foi embora. Não que eu não gostasse dela por aqui, pois é sempre bom ter mais companhia. Mas ela era muito dependente de nós para fazer tudo, nunca falava nada e sempre parecia perdida. Além de ter o péssimo hábito de mastigar seus alimentos com a boca aberta, fazendo o barulho irritante de um coelho faminto comendo uma cenoura.
Hoje é feriado do Dia da República, portanto haveria desfiles e comemorações por toda a cidade. Como a ONG manteria algumas atividades durante o feriado, eu fui até lá para ver o que seria feito.
Cheguei lna sede sabendo que as professoras iriam à vila onde as crianças atendidas moram e me prontifiquei a ir com elas. Até todas as professoras chegarem, eu estava esperando em um banco de madeira ao lado da porta de entrada da sala de aula dos pequenos. Lá dentro, acontecia uma discussão acalorada, em bengoli, da qual duas mulheres e cerca de dez homens participavam. Perguntei aos homens que estavam parados à porta sobre o que era a discussão. Disseram-me que era sobre a falta de energia elétrica na vila, e que a comunidade queria ajuda da ONG para estender a eletricidade da organização para as casas no vilarejo (em bom português, leia-se: gato).
Logo, as mulheres saíram e se apresentaram a mim. Achei estranho, pois as mulheres daqui sempre me cumprimentam com um aceno de cabeça, quando o fazem. Acontece que Ali e Sâmia não eram mais duas recatadas esposas indianas. Eram prostitutas que trabalham na vila.
Ambas tinham diversas marcas da idade avançada espalhadas nos corpos voluptuosos enrolados em sarees vermelhos. Fiz a elas várias perguntas sobre suas vidas e sobre como se protegem da gravidez e do HIV. Elas me contaram que são portadoras do vírus e que usam camisinhas sempre. Além disso, disseram que a cada três meses o pessoal da ONG dá a elas um exame de sangue para testar o nível de células CD4, para controlar a infecção.
Depois de uma longa e descontraída conversa, as professoras foram chegando, vestidas todas em seus uniformes (um saree cor de creme com listras vermelhas nas bordas) e seguimos nosso caminho, a pé, para a vila de refugiados de Bangladesh e para a vila Kharagpur, que fica atrás da ONG.
Fiquei chocada com as condições em que estas pessoas vivem. Famílias inteiras dividem casas de barro e pau-a-pique de um cômodo só e tomam banho e lavam suas roupas nos lagos imundos, encontrados frequentemente por aqui. Além disso, dividem os lagos e as estreitas ruas com vacas, ovelhas, carneiros, patos e uma infinidade de cachorros abandonados.
Saí de lá muito suja por causa da grande quantidade de poeira que voa de um lado para o outro (aqui, nunca chove no inverno) e corri para o flat a fim de tomar um banho.
Já limpa, fui ao campus para encontrar a Sandra e o Felipe. Como eles teriam uma reunião do seu projeto, fiquei no quarto do Felipe, sozinha, para acessar a internet, especialmente o Skype, que não conseguimos acessar da biblioteca, uma vez que lá temos de fazer silêncio. Consegui ver e escutar toda a minha família por cerca de meia hora! Adorei! Mas logo os meus dois novos amigos latinos retornaram e eu tive que me desconectar.
Antes disso, as pessoas começaram a vir falar comigo no MSN perguntando do Adriano, meu namorado que estava fazendo um mochilão no Peru. Não entendi o repentino interesse por ele e só fui compreender quando uma boa alma caridosa (lê-se: Daiane Tisgaça) resolveu me explicar que enchentes horríveis assolaram aquele país e centenas de brasileiros estavam ilhados lá.
Tentei ligar para a família dele, pois seu celular não funciona lá e para a minha para pedir notícias e demorei até conseguir uma ligação.
Com a promessa de que me mandariam notícias, fui a um restaurante com a Sandra, o pessoal da AIESEC e três indianas muito simpáticas que os meninos queriam que conhecêssemos para que nos fizessem companhia (é péssimo estar sempre na companhia de homens!).
Ainda com a cabeça em Cuzco, não participei muito da janta e só comi o que me trouxeram, acredito que era a comida mais apimentada do mundo! Até as lentilhas tinham molho picante e acabei comendo muito pouco.
Já no Rickshaw, a caminho de “casa” recebi uma ligação da minha mãe e uma mensagem da mãe do Adriano dizendo que ele estava bem, ainda não havia chegado a Macchu Picchu e iria fazer o caminho de volta à Bolívia.
Chegamos ao flat, Sandra e eu, e pude dormir tranquila. Quer dizer, mais ou menos, pois a sensação de azia com toda aquela pimenta é para tirar o sono de qualquer um.
Quarta-feira, 27/01
Queria acordar cedo na quarta para preparar minhas apresentações do final da semana, mas não teve jeito. Estava podre de cansada por causa da gripe. Eu não entendo essa gripe! Ela vai e volta e tem dias que me sinto muito bem e disposta e dias que me sinto muito mal, com dor no corpo e a garganta fechada.
Tomei o último Tylenol brasileiro que restava na minha bolsa, uma vitamina C, comi uma bergamota e fomos até a cantina do dormitório do Felipe para o almoço. A comida estava um pouco melhor e tinha até peixe para comer. Coloquei limão em tudo e almocei sem mais problemas.
Saímos do refeitório e fomos ao quarto do Felipe agendar nossas passagens aéreas para Jaipur. Planejamos que sairemos dia 12 de fevereiro, pela manhã, de Calcutá, iremos de avião até Jaipur, conhecer a mais indiana das cidades da Índia (me-do), seguiremos de trem até Agra, para ver o Taj Mahal, pegaremos outro trem até Nova Déli, para conhecer a cidade e de lá voaremos de volta até Calcutá no dia 17, meu aniversário, para eu embarcar para o Brasil às 2h45min da madrugada do dia 18 de fevereiro.
Comprar as passagens pela internet foi quase um parto e nos tomou toda a tarde. Como sempre, o Felipe conseguiu primeiro, depois a Sandra, depois eu. Não sei o problema que estes servidores têm contra cartões de crédito estrangeiros! Tanto que saímos do dormitório e fomos usar a internet da biblioteca achando que seria um problema de Proxy.
Saímos da biblioteca quase às 19h, pegamos um Rickshaw e fomos para o flat. Queríamos fazer uma sopa de tomate, aquelas de saquinho, e o fogão não estava funcionando. Grande engenheira que é, Sandra consertou o fogão, queimou um fusível e restaurou a eletricidade do flat em menos de uma hora – e ela fez isso só com uma pinça!
Cozinhei a sopa e, vendo que estava pura pimenta, joguei um miojo despedaçado dentro e conseguimos comer. Tomei um banho e fui dormir limpa e bem alimentada.
Capítulo final
Há 14 anos
Vanessaaa..que bom que já está certo que tu vai pra Jaipur..e de avião! e é claro essecial conhecer o Taj Mahal...aproveita! beijo, Laura
ResponderExcluir"Eu não entendo essa gripe! Ela vai e volta e tem dias que me sinto bem e disposta e dias que me sinto muito mal, com dor no corpo e dor de garganta".
ResponderExcluirÔ, Vanessa, se chegas a sentir um pouco de febre quando os sintomas reaparecem, pode ser malária. É bom fazer uma pequena consulta com algum médico para descartar a hipótese. Se a temperatura está abaixo dos 15C aí, então nem te preocupa.
http://www.fitfortravel.nhs.uk/destinations/asia-%28east%29/india/india-malaria-map.aspx