terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Iniciam-se as despedidas em Kharagpur...

Segunda-feira, 08/02

Como de costume, a faxineira bateu à nossa porta às 8h da manhã. Também como de costume, levantei-me, abri a porta do quarto, destranquei a porta da frente, desci as escadas prestando atenção à quantidade de teias de aranha que poderia levar comigo, desliguei a luz que fica acesa do lado de fora e, finalmente, abri a porta da frente, pronta para me deparar com o corpo velho, franzino e descalço daquela mulher.

Contudo, ao abrir a porta, desta vez, encontrei o filho do senhorio ao lado de uma menina pequena e magra, que aparentava ter cerca de 15 anos. Ela estava vestida em um saree vermelho, com um blusão de lã laranja por baixo dos panos surrados e igualmente descalça. Não era feia nem bonita e tinha um olhar cabisbaixo e triste. Seu rosto lembrava, pelo dentes mais à frente que o normal, o da faxineira que vinha todos os dias.

O filho do senhorio, então, me explicou que a partir daquele momento aquela menina, que era filha da nossa faxineira, viria diariamente limpar o apartamento. Questionei o motivo da troca, mas ele somente resmungou algo para a menina, em híndi, e deu as costas para nós, deixando-me sozinha com ela.

Entrei novamente na casa, liguei a bomba que faz encher a caixa d’água e subi as escadas com a menina logo atrás de mim. Entramos na nossa “sala” e mostrei a ela onde estava a roupa suja, o pano, o desinfetante, o sabão e a vassoura. Ela não demonstrou qualquer emoção ou sinal de que entendia o que deveria fazer. Fiquei encarando-a mais uns instantes e ela seguiu para o banheiro, para encher um balde e começar a faxina.

Voltei para o quarto e me deitei, somente escutando o que ela estava fazendo na outra sala. Logo entrou no quarto acocorada e com o pano úmido nas mãos. Tentei perguntar se ela não ia varrer o chão antes, mas ela ficou me olhando com aqueles olhos humilhados e eu nem quis tentar fazê-la entender o que eu quis dizer.

Em menos de vinte minutos, ela tinha acabado o serviço e saiu pela porta sem avisar ninguém. As roupas estavam muito mal lavadas e o chão ainda parecia sujo. Mesmo assim, apenas fechei a porta, comi uma fruta para o café da manhã e comecei a me arrumar para o trabalho.

Lucia ainda não havia voltado e eu tinha combinado com o secretário da ONG de nos encontrarmos às 14h, no portão principal do campus.

Fomos para o campus almoçar, Isis, Sandra e eu, e, para a minha alegria, desta vez, tinha batata frita no cardápio do refeitório que fica no dormitório do Felipe! Como eu não queria exagerar, peguei um pouco de batatas fritas, arroz branco com um molho de legumes, chapatis (pães sem fermento, que parecem panquecas), legumes e o iogurte caseiro natural de sobremesa.

Estava me dirigindo ao portão, perto das 14h, quando Lucia me ligou avisando que havia chegado à estação de Kharagpur. Disse que pediria ao pessoal da ONG para apanhá-la lá depois que viessem me buscar e iríamos direto para o trabalho.

Desliguei o telefone e liguei para o secretário da ONG. E adivinha só? O carro continuava estragado e não teríamos como ir trabalhar. E não é por má vontade nossa de pegar um ônibus ou um auto-rickshaw para chegar lá. É o secretário da ONG que não nos deixa ir sozinhas, porque o bairro é um pouco perigoso e nós chamamos muita atenção.

Frustrada e consciente de que teria de passar o dia em cima dos intermináveis relatórios, rumei para a biblioteca ao lado de Isis, que não tinha nada para fazer.

Paramos no caminho para comprar as nossas passagens de trem. Ela parte amanhã e eu na quinta-feira. Vou para Calcutá, deixar minhas bagagens na casa do Mallick, para poder pegar o avião sexta-feira e ir à Jaipur, Agra e Déli. Volto para Calcutá dia 17 (meu aniversário, não esqueçam!) pela manhã, passo na casa do Mallick, reúno as minhas coisas e parto para minha jornada de retorno ao Brasil às 2h45min do dia 18.

Com nossas passagens na mão, rumamos à biblioteca e sentamos, uma do lado da outra, em uma das escrivaninhas da entrada. Depois de postar no meu blog e colocar fotos no Orkut, eu tentava me concentrar nos relatórios que preciso terminar até quarta-feira, enquanto Isis se divertia na internet assistindo a uns videoclipes de uma banda só de homens metrossexuais de olhos puxados, que eu não sei se são chineses, coreanos ou de outra parte da Ásia. Ela olhava encantada para aqueles homens bem arrumados e de cabelos compridos, cantando em cenários luxuosos, que, para mim, pareciam comediantes fazendo um número musical.

Quando eu estava quase indo embora, um rapaz veio falar comigo. Disse que não queria ser inconveniente, mas que havia feito um desenho de mim, enquanto eu “estudava” e queria me dar de presente. Agradeci e aceitei a folha de papel pautada com um desenho meu de perfil, aparentemente depois de uma sessão de tortura. Ou o desenho não tem nada a ver comigo ou eu sou muito feia mesmo. Mesmo assim, sorri, agradeci novamente, e ele se retirou.

Saímos da biblioteca e fomos à cafeteria encontrar o Adi, ex-presidente da AIESEC local. Como ele é natural de Déli, havia se oferecido, durante a convenção à qual fomos no sábado, para nos ajudar a fazer um plano de viagem.

Terminamos de discutir os pontos turísticos que não podemos deixar de ver por lá e o Rahul me ligou para avisar que eles fariam uma festa de despedida para Isis e para mim naquela noite. Já eram 20h e eu estava super cansada, mas mesmo assim não poderia deixar de ir.

Alguns dos membros da AIESEC fora nos buscar na cafeteria e seguimos, a pé, até o nosso restaurante preferido: o Little Sisters. Passamos uma noite agradável, conversando sobre diferença de culturas e sobre nossas experiências na Índia.

Me chamou a atenção quando vi dois amigos sentados, de costas para mim, conversando um no ouvido do outro. Um deles estava com o braço ao redor do ombro do outro e eles pareciam muito íntimos. Curiosa, iniciei uma discussão sobre homossexualismo na Índia. Shubhanshu, que é Vice-Presidente de Comunicação do Comitê Local, foi enfático e quis encerrar as minhas perguntas com a frase "não existem homossexuais na Índia". Tentei argumentar que são mais de um bilhão de pessoas e, com certeza, há homossexuais entre elas, só que, devido à cultura rígida, eles não têm coragem de "sair do armário". Mas tive que ficar quieta, porque vi que era uma batalha perdida.

Antes das 23h, pagamos a conta (quer dizer, eles pagaram a conta e não me deixaram pagar de jeito nenhum) e fomos embora. Olhei para a Lucia e disse: “se deu conta de uma coisa?”. Ela balançou a cabeça negativamente com um olhar curioso. “Desta vez, os garçons não nos trouxeram o açúcar”.

Ela riu daquele jeito descontrolado dela e, quando finalmente parou, ficou sorrindo em silêncio. De repente, me disse “acho que eles aprenderam a lição” e soltou outra gargalhada. Sorrindo, olhei para ela e perguntei se ela também tinha aprendido uma lição. Olhou-me furtivamente, sorriu sem mostrar os dentes e deu de ombros.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Relatos do meu último final de semana em Kharagpur

Sábado, 06/01

Como previsto, fui acordada ainda durante a madrugada pelos rituais de Puja no templo que fica embaixo de “casa”. Os poucos minutos de paz e silêncio de partes da celebração eram interrompidos pelo badalar insistente do sino do Pandit, que, por sua vez, era seguido pelos sons desritmados e barulhentos dos instrumentos carregados pelas mulheres.

A celebração começou quase às 6h da manhã e ainda não havia terminado quando deixamos o flat, às 13h para ir à Convenção Local da AIESEC. Pegamos nossas bicicletas e saímos abrindo caminho entre a multidão de gente aglomerada no nosso pátio, que nos olhava curiosa.

No meio do caminho, o pessoal do Comitê Local nos ligou para pedir que levássemos junto conosco o USB da internet móvel. Voltamos, debaixo de um sol de rachar, e Lucia disse que não se sentia bem e que ia ficar no apartamento.

Com isso, Sandra eu seguimos para o campus, onde pegaríamos o ônibus para a tal convenção, que nos disseram ser em um resort próximo. Eu estava curiosíssima para saber o que os indianos consideram um resort.

No caminho entre nosso apartamento e o campus, o pessoal da AIESEC nos ligou umas cinco vezes para dizer que o ônibus só estava esperando por nós. Haviam nos avisado que o ônibus partiria às 13h30min, mas como eu sei que não sairia antes de, pelo menos, uma hora de atraso, ainda paramos para comer no caminho, mesmo com ligações impertinentes para saber sobre o nosso paradeiro.

Chegamos ao portão principal do campus perto das 14h e, como eu havia previsto, nem o ônibus estava lá ainda. Dirigi-me aos membros da AIESEC que estavam me ligando e perguntei onde estava o ônibus, ao que me responderam que ainda não havia chegado.
Estourei de raiva, sentindo a cabeça esquentada pelo sol, e xinguei todos aqueles que consegui avistar! Ora, desde o primeiro dia aqui, eu chego sempre no horário dos eventos e eles nunca começam na hora. Naquele dia, estávamos atrasadas porque tivemos de voltar e buscar o USB, que eles pediram. Para que ficar ligando se nem o ônibus estava lá ainda?

Quando o ônibus chegou, cerca de 20 minutos depois, eu já estava ameaçando voltar para casa. Ainda assim, não poderíamos sair porque o presidente e um ex-membro do comitê ainda não haviam chegado. Liguei para o presidente e avisei, muito séria, que, se não chegasse em cinco minutos, eu começaria a organizar um impeachment. Nem sei se eu posso fazer isso, mas ele chegou em 3 minutos e meio. Partimos então para o resort onde seria a convenção local com os recém-recrutados membros.

Não me surpreendi quando, ao chegar lá, o “resort” era, na verdade, um hotelzinho de beira de estrada. Com um bar e um restaurante à frente, os quartos eram pequenas casinhas cinza e sem vida na parte de trás. Entre o restaurante e os quartos, havia o pequeno centro de convenções, com teto de palha.

Ainda estava de mau humor por causa do atraso do ônibus e do quanto me incomodaram para eu chegar lá na hora. Então, ao início da convenção, no qual os novos membros seriam “iniciados” na AIESEC, sentei-me no fundo com meu notebook e segui fazendo meus relatórios.

Uma hora mais tarde, eu estava quase pegando no sono naquela sala escura, onde estavam mostrando slides de Power Point sobre a AIESEC e a atual diretoria até que uma coisa me chamou a atenção.

Quando passaram o slide com a apresentação do Rahul, o responsável por mim aqui, na pergunta “status”, a resposta dizia “solteiro até meus pais me arranjarem um casamento”. Só isso. Sem “haha” ou nada para complementar que indicasse que aquilo fosse uma brincadeira. Descobri que ainda é muito comum por aqui que os pais arrumem o casamento para os filhos. Quando perguntei por que, eles me disseram: “ora, por que meus pais iriam me arrumar uma coisa ruim? Eles podem escolher melhor do que eu, eles têm mais experiência”. Mas e a paixão? E o amor? “Ah, paixão é passageira e a gente aprende a amar o outro”. Aprender a amar deve ser bem fácil mesmo... Contudo, eles complementaram, agora a maioria das famílias permite que os noivos aceitem ou não o casamento. Muito melhor.

Sandra e eu saímos para o pátio para comermos nossas sempre salvadoras bergamotas e fomos seguidas por alguns membros. Eles queriam nos avisar que haviam mandado uma pessoa até o flat para saber como Lucia estava e ela havia desaparecido, deixando tudo trancado pelo lado de fora. Eu tranquilizei-os dizendo que, talvez, ela tivesse ido ao mercado.

Voltamos para dentro do Centro de Convenções, onde continuamos escutando sobre o trabalho da AIESEC na Índia. Eu já estava quase pegando no sono novamente, quando acenderam as luzes para anunciar o período de brincadeiras. Funcionava assim: papéis eram distribuídos para as pessoas escreverem um “mico” que outros teriam de pagar.

Teve de tudo: Hímen fez uma pole dance, onde o poste era o Nieten; Shubhanshu cantou uma música romântica, e depois foi pedido em casamento por Fernando (tá, Fernando não é o nome verdadeiro do menino, mas é como a gente chama ele. Quem mandou ter nome impronunciável?). No fim, sobrou até prá Sandra dançar uma salsa com Shubhanshu (todos adoram pegar no pé dele!) e nós duas tivemos que dançar uma música indiana, devidamente coreografada por Ninad.

Depois da janta, fui chamada à frente para receber um presentinho da diretoria do Comitê Local: um calendário de 2010 e uma camiseta pólo da AIESEC daqui. Após isso, mais brincadeiras. Sabe aqueles concursos de competição de quem bebe mais rápido? Pois é, nos dividiram em times de cinco pessoas e tínhamos que beber o líquido de um copo inteiro, colocá-lo na cabeça, amassá-lo na mesa para o outro poder beber, até chegar ao último indivíduo. Ganhava o time que acabasse primeiro.

Nas vezes em que participei, meu time ganhou todas! E eu até fui convidada a ser juíza das outras “partidas”! Agora, você deve estar pensando que eu fiquei muito bêbada, não é? Não. Não. A competição era com Coca-Cola mesmo, ou melhor, com Thums Up, o refrigerante mais doce do mundo. AIESECers não bebem em serviço!

Já estávamos dentro do ônibus, para ir embora, quando descobrimos que Lucia tinha ido até Calcutá. Isto porque Lua me ligou para dizer que estava preocupada, pois Lucia havia ligado para ela avisando que chegaria ao apartamento de Mallick (nosso hostel em Calcutá!) pelas 20h30min, mas já eram 22h30min e nada de ela dar sinal de vida.

Avisei o pessoal da AIESEC e eles ficaram morrendo de preocupação. Mas, por favor! Vamos pensar um pouquinho! A guria sobreviveu dois anos sozinha na África, viajou o mundo, aprontou todas a que tinha direito e não ia conseguir sobreviver a uma noite em Calcutá?

Voltamos ao nosso apartamento para dormir e, já depois da meia-noite, recebo uma ligação de um número desconhecido. Era Lucia avisando que havia encontrado alguns amigos da África do Sul na estação de trem e estava se divertindo horrores em Calcutá! Já era de se imaginar...

Domingo, 07/01

Só acordei depois do meio-dia e estava muito cansada por ter dormido pouco (e mal) na noite anterior. Tomei um banho, enquanto Sandra preparava nosso grande almoço: miojo com sopa de tomate... Almoçamos e ficamos sentadas no chão da nossa cozinha improvisada conversando sobre a vida.

Saímos do apartamento pelas 14h e fomos ao campus para tomar um café. Antes, aproveitamos o bonito domingo de sol para passearmos um pouco pelas ruas e avenidas que formam o bonito, agradável e florido campus do Indian Institute of Technology Kharagpur. Só senti falta do mate na mão!

Tomamos nosso café calmamente e fomos ao salão de beleza, pois, depois que eu testei a segurança do local, como cobaia, Sandra também queria ir. Desta vez, só fiquei sentada rindo dela, no meio da sala, vestida com uma camisola azul duas vezes o seu tamanho e constrangida com o entra e sai de gente.

Quando saímos de lá já era passado das 18h e já havia escurecido. Fomos ao Tech Market comprar frutas e voltamos para o apartamento para esperar, porque Isis, a chinesa, estava voltando para ficar conosco alguns dias antes de ir embora para sua casa.

Mais tarde, perto das 20h, ela chegou, vestida do mesmo jeito que havia deixado nosso flat em Kharagpur da última vez que a vimos, com aquelas mesmas botas ortopédicas, o casaco preto de lã largo e o cinto xadrez vermelho e preto na calça jeans. Até os cabelos bem pretos, ondulados e oleosos, escorriam da mesma maneira pelo rosto brilhoso, no qual o único detalhe que chama a atenção é o óculos de grau Levi's, que ela nunca tira.

Chegou falando devagar e mansamente, como sempre, e eu, que estava há dois minutos conversando com ela, já tinha vontade de dar um “pedala” na cabeça dela para ver se as palavras engrenavam.

Mais tarde, depois de comer uvas e bananas como janta, emprestei o meu computador para as duas verem um filme enquanto eu usava o de Sandra para acessar a internet e usar o Skype para conversar com meu namorado, com quem eu não tinha contato visual desde que cheguei aqui, há mais de um mês...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Calor humano e hospitalidade da mulher indiana: das escolas aos salões de beleza.

Quinta-feira, 04/02

Mais uma vez, acordei pela manhã muito a fim de ir ocupar minha mente com algum trabalho e descobri que o pessoal da ONG novamente estava com problemas e não poderia vir nos buscar no apartamento. Contudo, desta vez, me avisaram que eu teria uma apresentação na tarde do dia seguinte.

Fomos almoçar no campus e segui direto para a biblioteca para passar o dia organizando os relatórios que tenho que entregar. Só saí do prédio quando já era noite escura lá fora e fui direto à cafeteria para comer um sanduíche.

Que dia inútil! Todos os dias que eu tenho que me sentar quieta e fazer burocracias são dias perdidos para mim!

Voltamos para casa, com nossas bicicletas, e eu aproveitei para ler um pouco e usar a internet. Fui dormir bem tarde... sentindo-me a pessoa mais inútil entre os mais de um bilhão de habitantes da Índia.

Sexta-feira, 05/02

Como havia dormido muito tarde na noite passada, acordar foi uma dificuldade. Mesmo assim, levantei cedo para tomar um banho e me ajeitar para a minha apresentação.

Fomos para o campus, almoçar na cantina do dormitório do Felipe e, para a minha alegria, entre aqueles pratos de comidas estranhas e sem nome, enxerguei pedaços de peixe à milanesa com um molho vermelho! Nunca tem carne nenhuma por aqui, porque grande parte dos alunos é vegetariana.

Minha já treinada desconfiança com a comida indiana me levou a crer que aquele molho ia me gerar alguma sensação de queimação na boca e em todo o meu aparelho digestivo, devido ao exagero de pimenta e chilli característico da cozinha das Índias. Prevenida, peguei alguns pedaços de limões e banhei meu peixe para neutralizar o gosto apimentado. Perfeito!

Saí de lá direto para o carro da ONG, que estava vindo ao campus para nos levar para o trabalho. Depois de meia hora de viagem, chegamos ao nosso desconhecido destino: Jayaprakash Institute, uma instituição de Ensino Técnico que treina mulheres para serem agentes de saúde nas comunidades.

Sem projetor e apoiada apenas pelos slides reproduzidos no meu laptop, falei sobre HIV e AIDS para cerca de 40 mulheres uniformizadas em sarees vermelho e branco (por favor, não me venham com piadas coloradas sem graça).

Elas pareciam interessadas, mas como seu inglês não é dos melhores, não sei se consegui transmitir a elas tudo o que desejava.

Ao final da palestra, uma delas se levantou, atravessou a sala escura, com paredes brancas e chão de terra batida, veio até mim e disse uma palavra que eu preferi fingir que não entendi.

Ela me estendeu o caderno com folhas pautadas e repetiu bem devagar que queria um autógrafo! Autógrafo. Eu.

Disse à ela que eu não era famosa e não dava autógrafos, mas ela empurrou novamente seu caderno para mim. Quando finalmente aceitei pegar o caderno, todas as outras mulheres, que aparentavam ser mais velhas do que eu, levantaram e foram até mim com seus cadernos estendidos.

Rindo daquela situação toda, “autografei” todos os cadernos que elas me deram e fiquei extremamente feliz quando vi que não havia mais cadernos estendidos em minha direção. Dirigimo-nos à frente da sala e tiramos uma foto com a minha câmera digital e com outras quatro câmeras analógicas, daquelas que a pessoa tem que passar o filme prá frente depois de bater a foto.

Em seguida, o diretor no convidou a sentar em cadeiras de jardim (aquelas de plástico branco), postadas em frente ao instituto. De dentro do prédio, saíram, então, algumas alunas enfileiradas com pratos e copos nas mãos e serviram para nós (o secretário da ONG, Lucia e eu) omelete com cebola e orégano, duas bolachas “Maria”, uma banana e um copo d’água. Logo em seguida, vieram outras alunas, cada qual com uma xícara de Tchai.

Comi todo o meu lanche enquanto conversávamos com o diretor da escola sobre o que as alunas faziam e sobre o que aprendiam. Descobrimos que o instituto é financiado pela UNESCO e que a todas as alunas vêm de famílias muito pobres, estudam em regime de internato e se formam em dois meses. O salário médio delas, quando começam a trabalhar, é menos de duas mil rúpias. Ou seja, menos de 45 dólares por mês.

Depois da agradável conversa, nos despedimos de todas as alunas e entramos no carro para voltar ao campus.

Para o fim de semana, estávamos planejando ir para Bodhgaya, uma cidade sagrada para os budistas, onde tem um templo do século 3º a.C., no qual, reza a lenda, o príncipe Sidarta foi "iluminado" e tornou-se o Buda. Contudo, não conseguimos passagens de trem.

Tentamos planejar, de última hora, outra viagem, mas nada deu certo por causa dos malditos trens lotados.

Chateada e frustrada, resolvi ir ao salão de beleza do campus para fazer depilação com cera (relatos de viagem têm que incluir até esse lado da cultura!). Sempre passava pela frente do local, mas nunca havia tido coragem para entrar. Para a minha (boa) surpresa, era um lugar bem organizado e relativamente limpo para os padrões da sociedade indiana.

Expliquei o que queria e as mulheres não paravam de rir. Irritada, perguntei qual era a graça e elas disseram que estavam com vergonha de pedir, mas queriam tirar uma foto comigo.

Tirei a foto, sentada em uma cadeira com elas de pé ao meu redor, e elas ficaram passando a mão no meu cabelo e me tecendo elogios super nada a ver. Logo, começaram uma discussão em híndi, que descobri ser sobre minha aparência: se questionavam se eu era mais parecida com uma Barbie ou com uma boneca de porcelana. Ok. Porcelana venceu (acho que elas entenderam que nunca vai haver tal coisa como “Barbie vai à Índia”) e eu finalmente consegui fazer com que elas fossem esquentar a cera.

Uma das moças me chamou para o quarto atrás do salão e me deu uma camisola de algodão vermelha no estilo da vovó e mandou que eu vestisse. Troquei de roupa e sentei na cama à minha frente, achando que a sessão seria ali. Então, ela me chamou de volta para a sala principal. Continuei sentada. Ela voltou, impaciente, e mandou eu me levantar.

Relutante, fui até a sala principal, onde havia duas mulheres com três crianças e mais as outras duas atendentes do salão. Sentei-me em uma das cadeiras de couro preta reclinável e, ali mesmo, ela começou a sessão com a cera quente. Eu estava morrendo de vergonha, mas as outras pessoas, inclusive as meninas que entravam para fazer a sobrancelha com linha egípcia (e saíam com os olhos marejados de dor), pareciam acostumadas com esse tipo de situação. Acho que eu fiquei tão constrangida, que nem senti dor.

Irônico, não? A mulher americana ter pudores nesse sentido e as indianas serem “liberais” assim, assistindo à sessão de depilação de outrem?

Paguei a conta e saí de lá na minha bicicleta para ir até a cafeteria a fim de encontrar Lucia e Sandra. Rapidamente, cheguei no local e elas estavam em uma mesa com outros meninos do projeto de Sandra.

Comi um sanduíche, enquanto eles conversavam, e já estava ficando entediada com as constrangedoras perguntas de Lucia sobre o comportamento da sociedade indiana.

Ela chegou a perguntar se era verdade que os alunos das faculdades indianas costumam se reunir em salas comunais nos dormitórios para assistir pornografia!

Avisei que ia voltar para casa, pois ainda estava chateada que nossos planos foram por água abaixo e Sandra disse que ia comigo. Os meninos disseram que era cedo e nos convidaram para ir ao restaurante tomar uma cerveja. Sandra e eu dissemos que iríamos para casa, mas Lucia, a eslovaca louca, concordou em juntar-se a eles.

Fomos para casa de bicicleta, acompanhadas por um dos meninos da AIESEC, tomamos um chá e decidimos começar a assistir “Sherlock Holmes”, o filme.

Não estávamos nem na primeira cena, quando bateram na porta. Abrimos a janela e nos deparamos com Lucia e outro membro da AIESEC. Desci para abrir a porta e ela entrou, no alto de seus 1,75m de altura, bufando de raiva.

Perguntamos o que havia acontecido e ela disse que o pessoal da AIESEC descobriu que ela tinha saído para beber e foi até o restaurante buscá-la e acompanhá-la até em casa. Parece que eles estavam muito preocupados com o comportamento de Lucia e como isso afetaria a imagem da AIESEC local. De cara, entendi que a história de seu primeiro dia conosco já estava correndo o campus, mas não quis avisá-la sobre isso para evitar mais constrangimentos para ela naquela noite.

Decidimos não terminar de assistir ao filme e deitamos, cada uma em sua cama, mergulhadas em um silêncio embaraçoso. Continuei acordada para acessar a internet e vi minhas colegas serem vencidas pelo sono. Resolvi desligar-me do mundo e ir dormir também, pois havíamos sido avisadas que às 5h da madrugada começaria um ritual de Puja (celebração de uma Deusa) no templo que fica abaixo do nosso apartamento. Sabia que daqui a pouquíssimas horas, seria acordada pelo barulho dos sinos e instrumentos do Pandit.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Aprendendo mais sobre drogas e HIV com histórias da vida real.

Terça-feira, 02/02

Depois do papelão da noite passada, Lucia estava bem mais calma e fingia que não se lembrava de nada. Tanto melhor para todas nós, que não tínhamos paciência para discutir os sucedidos.

Desta vez, o carro da ONG veio nos apanhar perto das 11h. Como ela é nova por aqui e vamos trabalhar juntas, em um mesmo projeto de prevenção e combate ao HIV/AIDS, fomos conhecer mais centros da ONG, onde as crianças estudam.

Visitamos quatro centros diferentes, inseridos nos vilarejos próximos, onde os pequenos estavam tendo aulas. Em todas as salas nas quais entrávamos, as crianças levantavam e diziam “Namastê, Didi”.

Namastê quer dizer “olá” e Didi significa algo como “irmã mais velha”. Aqui (e eu sempre acho isso muito engraçado), quando as pessoas querem chamar homens mais velhos desconhecidos, como o garçom da cafeteria ou o atendente do mercado, eles chamam de Dáda, que quer dizer “irmão mais velho”.

As crianças pareciam felizes e nós ficamos felizes por vê-las e poder interagir com elas. Mais tarde, voltamos ao centro e esperamos para conhecer um usuário de drogas infectado com o HIV que mora nas redondezas.

Sentamos no escritório improvisado do secretário, que fica na entrada de uma das salas de aula, e algumas professoras, curiosas, se juntaram a nós, deixando as crianças fazendo alguma atividade.

O homem entrou pela porta, vestindo uma regata e uma toalha ao redor da cintura. Tinha a pele morena clara, era muito magro e em sua face, era possível ver claramente as marcas de todos os ossos, apesar da barba espessa. Tinha os olhos escuros e grandes e o olhar sem característica alguma, como se tivesse desistido da vida.

Sentou na cadeira à frente da pequena mesa do secretário e evitou nos encarar. Vidhi (a muito inteligente neta do presidente da ONG, que nos serviria de tradutora), Lucia e eu estávamos sentadas em um banco de madeira ao lado da mesa, o que me deixava em posição para encarar o perfil triste daquele homem.

O secretário disse que poderíamos fazer as perguntas que quiséssemos. Então, resolvi começar pelo básico e perguntei como ele havia sido infectado. O homem olhou para mim e apontou, com o dedo indicador, uma tatuagem preta apagada no antebraço ressecado. Perguntei se foi quando ele fez a tatuagem, mas o secretário disse que não, que o homem quis dizer que foi infectado por meio do uso de drogas injetáveis.

Seguimos fazendo perguntas sobre sua vida com o vírus e descobrimos que ele tem 40 anos, mora com a mãe, é separado, tem um filho e continua sendo usuário de drogas.
Fiz mais questões sobre a assistência médica do governo, e descobri que ele não recebe nenhum tipo de ajuda para tratamento. Perguntei, ainda, se ele entendia as consequências para sua enfermidade ao continuar sendo usuário de drogas. Ele falou algo em híndi e apontou o dedo indicador, como se fosse uma arma, para mim e falou um som estranho, como um “bum”. As professoras, o secretário e Vidhi riram, mas Lucia e eu continuamos sérias.

Vidhi traduziu: ele havia dito que, se eu tivesse uma arma, ele preferia que eu atirasse nele e o matasse do que o obrigasse a parar com as drogas. Fiquei ainda mais assustada por isso soar engraçado às professoras e ao secretário.

Perguntei quais drogas ele usa e ele me disse “brown sugar”. A tradução literal é “açúcar marrom” e eu não sei se temos este tipo de droga no Brasil. Então, ele pôs a mão no bolso e tirou um papelote, que abriu, revelando uma pequena quantidade de pó marrom. Baixou a cabeça em direção ao pequeno conteúdo e as professoras começaram a gritar. Entendi que ele ia aspirar ao pó na nossa frente, ali, onde as crianças também já tentavam prestar atenção do lado de fora da porta aberta.

As professoras expulsaram-no do prédio e a entrevista terminou ali. Eu estava horrorizada e continuei fazendo perguntas sobre assistência médica e educação preventiva sobre o HIV e o uso de drogas. Nada. O governo indiano fecha os olhos e finge que não existem mais de cinco milhões de infectados com o vírus no país e tampouco se importa em educar as crianças sobre o perigo da drogadição. Fica tudo a cargo das ONGs, que não são muitas e, apesar de fazerem sua parte, não têm condições de trabalhar em ampla escala.

Não queria ofender a cultura de ninguém, então fiquei quieta. Mas, me pergunto, até quando os tabus de determinadas sociedades seguirão sendo empecilhos para a discussão aberta de assuntos importantes como estes? Por que o governo daqui segue com este pacto tácito de que não há problema algum? Para não ofender a conservadora sociedade indiana? Para não ter de falar sobre sexo e drogas e fingir que o problema ainda não chegou aqui, devido aos ditos “bons” e antigos costumes deste povo?

Assistindo à minha indignação e à batalha interna que travava, silenciosamente, contra a minha vontade de continuar perguntando o turbilhão de questões que vinham à minha mente, o secretário da ONG se levantou e disse para irmos com ele. Entramos no carro e Lucia e eu retomamos uma inflamada discussão sobre o que acabávamos de presenciar.

Seguimos até a fazenda que a ONG mantém para alimentar as crianças e empregar pessoas pobres do vilarejo. Chegando ali, entendi que o assunto estava encerrado por aquele dia e que deveríamos somente apreciar o bom trabalho da ONG.

Em silêncio, voltamos ao campus, no carro da ONG. Paramos em frente ao restaurante em que havíamos estado na noite passada, o Little Sisters, para esperar o trem passar à frente. O secretário apontou para o local e disse que uma parte do staff da ONG esteve reunida ali para jantar e nos viu de longe. Olhei para Lucia, que baixou a cabeça e corou. Afirmei com a cabeça e, envergonhada, pela atitude da minha colega, também baixei a cabeça e continuei em silêncio.

Paramos no campus para ir à biblioteca e Lucia finalmente me perguntou o que havia feito na noite passada, depois de aspirar ao açúcar. Falei tudo, menos a constrangedora parte em que acordei para ajudá-la a chegar até o banheiro. Ela não parecia mais envergonhada e deu uma sonora risada. Achou muito engraçado e acrescentou “espero que meu namorado não descubra uma coisa destas”. Fiquei em silêncio, pois não estava a fim de discutir moral àquela hora.

Fomos à biblioteca para esperar o tempo passar, pois teríamos uma festinha com o pessoal do Knuts!, aqueles para os quais demos uma entrevista há algumas noites. Pois bem, a entrevista foi um sucesso e eles tiveram o maior número de acessos de sua história e nos chamaram para oferecer-nos uma festa e comemorar.

Como sempre, a festa era no telhado de um dos prédios do campus, escondida dos guardas, completamente no escuro, e para chegar lá, tínhamos que subir uma daquelas escadas bambas.

Eles haviam comprado batata frita, refrigerante e rum. Eu comi um pouco de batata frita (mentira, eu comi MUITA batata frita) e tomei um refrigerante, mas não conseguia socializar muito, pois ainda estava muito reflexiva sobre o que havia acontecido durante a tarde. Sentei sozinha em um canto, olhando para o campus lá embaixo e segui pensando. Meu momento intimista era interrompido, algumas vezes, apenas pelas risadas altas e gritarias da Lucia.

Virei para trás e, desta vez, ela estava bebendo o rum direto da garrafa. Já eram onze horas quando avisei que ia embora. Fui seguida pela Sandra, que trouxe uma relutante Lucia consigo.

O gentil Himen conseguiu um táxi e nos acompanhou até o flat. Fiquei um pouco na internet, enquanto elas se preparavam para dormir. Em seguida, esvaziei a minha mente de todos os acontecidos nesta semana conturbada e peguei no sono.

Quarta-feira, 03/01

Na terça-feira, havíamos combinado com o secretário da ONG que ele passaria para nos buscar no flat perto do meio-dia. Esperamos até a uma da tarde e resolvi ligar para ele, que avisou, mais uma vez, que não poderia ir nos buscar, o que significava mais um dia de ócio criativo para nós.

Sandra e eu preparamos um miojo, almoçamos e seguimos para o campus, pois Lucia queria almoçar por lá. Na cafeteria, encontramos Rahul, que me deu folhas de ofício com os dados de mais de 400 pessoas que assistiram às minhas apresentações e pediu-me para começar a organizar uma tabela e um relatório para entregar no final do meu projeto.

Odeio ter que fazer vezes de secretária, mas como é meu projeto, peguei os papéis e fui à biblioteca responder e-mails, scraps e começar a trabalhar.

Na entrada da biblioteca, um menino me parou e perguntou-me se eu era “a brasileira da AIESEC”. Disse que sim, e ele sorriu aliviado. Contou que estava me procurando por toda a parte, pois o diretor indiano Shekhar Kapur, aquele que havia dado uma palestra no campus na sexta-feira, gostaria de escutar o que eu tinha para dizer.

Fiquei chocada, porque, naquele dia, eu estava bastante doente e tentei iniciar uma conversa com uma pergunta que foi abafada pela multidão de indianos gritando e tirando fotos. O menino disse que ele achou a questão que levantei bastante interessante e que se eu tivesse interesse em continuar a discutir, poderia mandar um e-mail e ele tentaria me responder.

Ao invés de começar meu trabalho, então, comecei a preparar uma série de perguntas para enviar ao cinegrafista e tentar forçar uma entrevista. O que, exatamente, eu vou fazer com esta entrevista, eu não sei, mas, primeiro, vamos ver se ele responde!

Às 18h, tínhamos uma apresentação sobre a AIESEC, na qual falaríamos de nossos intercâmbios para os recém-recrutados membros. Como sempre, a apresentação começou somente às 18h45min e nós falamos o mais rápido possível para poder ir embora.

Paramos no Tech Market para comprar algumas frutas e seguimos para o flat. Sandra e eu jantamos sopa de legumes (de saquinho, óbvio!) com pão e suco. Comi algumas frutas e, quando as minhas duas colegas terminaram de ocupar a internet, peguei o aparelho USB e fiquei até as três horas da manhã matando as saudades dos amigos por meio de suas novas fotos no Orkut e sabendo das novidades santa-marienses, pela a minha bem-informada irmã Vivian.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Fiascos internacionais na Índia

Segunda-feira, 01/02

Descobri que a Lucia, intercambista eslovaca, vai trabalhar comigo na ONG. Por isso, combinamos que o pessoal de lá viria nos buscar perto do meio-dia para irmos conhecer mais vilarejos atendidos pela Organização.

Durante a manhã, as minhas companheiras de casa foram dar uma corrida no campus e comprar água e frutas para abastecer nossa modesta despensa. Convidaram-me para me juntar a elas, mas minha característica preguiça e aversão à prática esportiva me mandaram continuar na cama. Além de ser completamente louca, Lucia é muito ativa e odeia perder tempo dormindo ou ficando parada (blé).

Eu estava me sentindo muito melhor das dores no meu estômago, e não tive problemas para me levantar bem e disposta e ir à ONG. Então, liguei para o secretário e ele me disse que nos buscariam depois que almoçássemos.

Seguimos para o campus para almoçar. As gurias iriam comer no refeitório do dormitório do Felipe. Como eu estava melhorando, resolvi comer só um sanduíche e tomar um chá gelado na cafeteria para não me arriscar com a comida indiana, pelo menos por enquanto. No meio da minha pequena refeição, recebi uma ligação do secretário da ONG: mais uma vez, estavam com alguns problemas e não poderiam ir nos buscar. Decidimos, então, ir ao mercado para fazer nosso estoque semanal de comida. Desta vez, eu guiei todo mundo em segurança até o Big Bazaar!

Contrariando as leis da física, estávamos em dezesseis pessoas (seis crianças!) em um autorickshaw com espaço para dez passageiros. Novamente, eu fui a sorteada para viajar com metade do corpo para fora do veículo. Tranquila e desconfortavelmente viajei pensando na ironia de ser eu a pessoa menos fresca e menos medrosa do grupo (entre o chileno, a mexicana e a eslovaca).

Sem problemas, alcançamos nosso destino, fizemos nossas compras e voltamos para o campus já sem a luz do dia.

Direto do campus, saímos para ir ao restaurante Little Sisters, onde combinamos de fazer uma recepção para Lucia, a eslovaca louca (sentiram a cacofonia proposital?).

Eu estava morrendo de fome e pedi arroz e frango para comer. Bebi um copo de cerveja só para brindar com os amigos a chegada de mais uma companheira. O que eu não sabia era que estava prestes a descobrir o tipo de companheira que teríamos em casa pelas próximas semanas.

De cara, ela pediu uma dose de uísque, e mais uma e mais outra. Esta última, ela bebeu de um gole só. Eu estava achando divertido ver ela, bêbada, tirando com a cara de todo mundo e fazendo piadas com tudo, porque aqui, humor é uma coisa muito rara.

Isto até que pedimos a conta e veio junto uma espécie de açúcar grosso, que eles oferecem, aqui, no final das refeições. Lucia amassou todos os flocos com um copo até que virassem pó, enrolou uma nota de dez rúpias e aspirou ao açúcar. Todos paramos de rir na hora, porque até nós, firangis, sabemos que isso não é tipo de brincadeira que se faça na Índia. Contudo, para a minha surpresa, os dois indianos que estavam conosco acharam engraçado e fizeram o mesmo (odeio gente que não sabe beber!).

Pegamos um táxi para voltar para o flat e, como de costume, os indianos nos acompanharam, uma vez que é perigoso andarmos sozinhas à noite. O táxi era uma mini-van e Sandra e eu entramos primeiro no banco de trás. Lucia sentou de frente para mim e Nino, um dos indianos da Aiesec, sentou de frente para Sandra. O outro indiano, que nós chamamos de Stryker (algo como atacante, em inglês), foi sentado na frente, ao lado do motorista, de costas para Lucia.

Sandra e eu estávamos embaraçadas com a gritaria e o motorista também não parecia muito feliz. Do nada, Lucia abriu a janela e colocou a cabeça para fora. Do banco da frente, Stryker fez o mesmo e ela agarrou a cabeça dele e começou a beijá-lo. O motorista parou o carro na hora e Sandra e eu nos olhamos, com a maior sensação de vergonha alheia que já senti. Os dois, então, colocaram suas cabeças de volta para dentro e seguimos o caminho com as risadas e gritos de Lucia.

Chegamos à frente do flat, pagamos o táxi e descemos o mais rápido possível. Sandra e eu apenas acenamos para os indianos e entramos no portão. Lucia ficou para trás.
Virei a cabeça para ver se ela viria logo, pois estávamos quase com a chave no cadeado e vi o inacreditável: ela agarrou a cabeça de Nino e beijou-o também. Fiquei chocada, pois, na noite anterior, ela havia nos contado que namorava um soldado norte-americano, que trabalha na Coréia, e que era muito apaixonada por ele.

Chamamo-la para que viesse de uma vez e entramos no apartamento em silêncio. No quarto, ela se atirou na cama e pegou no sono quase que instantaneamente. Em espanhol, Sandra e eu discutimos o ocorrido da noite e eu cheguei apenas a uma conclusão: eu não me importo que ela se comporte dessa maneira. Afinal, eu não sou preconceituosa ou pudica o suficiente para condenar as ações dos outros. E também não são os meus costumes que ela está ofendendo.

Contudo, o que me indigna é que se eu for para o país dela ter este tipo de comportamento, é porque eu sou “a brasileira” ou “a latina”. Idem aqui. Brasileiras no exterior têm que lutar todos os dias contra os estereótipos que nos são impostos pelas diferentes sociedades. Mas, ainda assim, eu não vi nenhum de nós, latinos (lembrando que somos três latinos, uma asiática e uma européia), ter qualquer tipo de ação que fosse ofender os costumes indianos!

Já a européia chegou enlouquecida(e nos enlouquecendo)e ninguém diz: “Ah, olha lá! Tinha que ser européia mesmo!”. Concordam? Discordam?

Mas o pior ainda estava por vir. Fiquei mais um tempo acordada, acessando a internet, e peguei no sono perto das duas horas da manhã. Quando estava naquele estágio meio dormindo, meio acordada, despertei completamente com um barulho e um cheiro estranhos.

Lucia estava parada junto à porta do quarto, tentando abrir a trava e não conseguia. Encostou-se contra a parede e eu, compadecida, me levantei para ajudar. Quando me aproximei dela para abrir a porta, usando a luz do meu celular, enxerguei suas calças molhadas nos fundilhos e na lateral esquerda. Olhei para a cama que ela ocupa, à minha esquerda, e vi o colchão todo molhado.

Abri a porta e ela passou. Sandra acordou e perguntou o que estava acontecendo, mas eu ouvi outro barulho. A bêbada estava tentando abrir a porta de casa ao invés da do banheiro!

Novamente, me dirigi a ela e encaminhei-a até a porta do banheiro. Voltei para o quarto e, em espanhol, contei à sonolenta Sandra o que estava acontecendo. Como se pensasse que estive sonhando, ela se virou e voltou a dormir.

Deitei e fiquei escutando Lucia tentar lavar suas calças. E depois somos, nós, latinos, que patrocinamos fiascos internacionais...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Entre doenças, fogueiras e gente nova no pedaço!

Sexta-feira, 29/01

Acordei sentindo muita dor no meu estômago. Quando eu achava que ia bater algum recorde mundial de boa saúde de um americano na Índia, fui assolada por problemas estomacais que (a maioria de) vocês não gostariam que eu descrevesse ou sequer inicia-se a contar.

Para resumir delicadamente minha enfermidade, nenhuma comida para no meu estômago e eu estou perdendo líquidos em uma velocidade incrível até para os padrões de crianças africanas afetadas por vermes.

Bom, o problema é que eu tinha que trabalhar de qualquer jeito na sexta-feira. O professor Mahepatra, responsável pelo meu projeto, havia agendado uma apresentação minha em uma universidade de “medicina” homeopática. Ou seja, faculdade de homeopatia. Contudo, ninguém me explicou que era medicina homeopática e eu nem considerava a ideia de existir tal graduação, por isso cheguei lá pensando que era uma faculdade de medicina normal e fiquei apavorada com as condições de higiene do local.

Em um prédio muito velho, com dois andares e séculos de poeira acumulada, comecei a minha apresentação para cerca de 200 pessoas, sendo que metade delas estava mais interessada no fato de eu ser uma pessoa branca de olhos azuis do que no meu seminário. Falei por quase uma hora (porque faltou luz por 15 minutos) e achei extremamente engraçado o fato de ter gente tomando notas do que eu estava falando.

Terminei minha apresentação e fui convidada a tomar um Tchai com bolachas na sala do diretor. Com uma platéia interessadíssima me seguindo e tirando fotos do meu rosto doente com seus celulares, andei até a grande sala mal iluminada, onde havia três colunas, de quatro cadeiras cada, alinhadas à frente da mesa do diretor. Ali, fui convidada a sentar na cadeira bem da frente, no meio, com outros professores ao meu redor. Eu era o centro das atenções e logo entendi que fui chamada ali para tirar as dúvidas que aquelas pessoas tinham sobre o futebol brasileiro.

Entediada, terminei meu Tchai e olhei com cara de desespero para a esposa do professor Mahepatra, que é a única professora do sexo feminino naquela “faculdade” e para quem eu havia contado sobre a minha enfermidade. Ela deu uma desculpa em bengoli e me puxou para um canto escuro da sala, onde pingou gostas de um “remédio” horrível na minha boca.

Saímos de lá por volta de 16h e eu estava me sentindo bastante melhor. O professor Mahepatra e sua esposa pararam na estação de ônibus, porque iam passar uma parte do fim de semana em um vilarejo próximo, ensinando crianças carentes a ler e escrever (eles são pessoas muito gentis e, convenhamos, um casal muito fora dos padrões indianos). Ao invés de ir para o flat, fui para o campus, onde está acontecendo um grande festival de tecnologia – segundo eles, o segundo maior da Ásia.

Encontrei a Sandra, que estava com as duas meninas indianas que havíamos conhecido na quarta-feira, e elas nos levaram para comer alguma coisa. Como eu estava melhorando, não queria arriscar comer nada muito forte e elas me indicaram uma massa vegetariana com queijo e sem molho. Comi tudo sem sentir um único gosto apimentado e agradeci a elas pela dica.

Depois, seguimos para um dos eventos do festival, o único que eu queria assistir: era uma palestra intitulada “O que é criatividade?”, com o cineasta indiano Shekhar Kapur, diretor dos filmes Mr. Índia, Bandit Queen e do premiado Elizabeth.

Suas palavras foram muito interessantes, especialmente quando definiu o conhecimento como a morte da criatividade. Entre outras ideias curiosas que dividiu naquela noite, me chamou a atenção ao dizer que, quando entra em um set, não tem ideia do que vai fazer, mas precisa aparentar calma, já que dirige o trabalho de cerca de 700 pessoas. Para ele, a criatividade resulta deste momento de caos, de pânico.

Prestei atenção às suas palavras informais ainda com muita dor no meu estômago. Quando abriram espaço para perguntas, as cerca de três mil pessoas no auditório a céu aberto ainda estavam em silêncio. Alguns, então, começaram a levantar-se e fazer seus questionamentos.

Não me causou muito espanto quando percebi que a maioria das perguntas era do tipo “defina caos” ou “você não acha que é muita preguiça da sua parte entrar em um set sem saber o que fazer?”. Aqui, entre os futuros engenheiros do IIT, tudo tem que ter um método, uma fórmula exata que traga um resultado. Com isso, as palavras pouco metódicas sobre criatividade do premiado diretor não pareceram impressionar os auto-denominados gênios do Indian Institute of Technology Kharagpur e as perguntas seguintes limitaram-se à curiosidade de saber se ele planejava ou não voltar para Bollywood (antes, claro, queriam saber por quais motivos ele trocou Bollywood por Hollywood, dando a entender que esta fosse a maior injúria de um indiano à sua sociedade).

Quando acabou a palestra, tentei ir conversar com o diretor, mas a dor aguda no meu estômago me mandou correr para o flat.

Sábado e Domingo, 30 e 31/01

Depois de uma madrugada passando muito mal, em decorrência de meus problemas estomacais, passei a manhã toda na cama, tentando recuperar o sono perdido.

Acordei depois do meio-dia, tomei um banho e comi um miojo com uma sopa de legumes de saquinho, que tínhamos por aqui. Alimentada, me senti um pouco melhor.

O espirituoso Himen nos ligou no meio da tarde a fim de nos convidar para ir à praia durante a noite com o pessoal da AIESEC. Achei estranho, porque praia é bom durante o dia, mas ele me explicou que, aqui, eles saem de Kharagpur antes da meia-noite, chegam à praia pelas 3h, fazem uma fogueira, cantam, dançam, conversam, vêem o sol nascer, tomam café da manhã e voltam pelas 9h. Já entediadas de passar todo o sábado dentro do flat e sem previsão de sairmos para qualquer outro lugar que não fosse o campus, concordamos em ir.

À tarde, Sandra e eu assistimos a um filme (intitulado He’s not that into you) e preparamos nossas coisas para a “viagem”. Pelas 19h fomos, de bicicleta, até o campus para comer alguma coisa antes de seguir para a praia.

Preferi não comer nada, porque ainda me sentia mal e comprei bolachas salgadas, bananas e bergamotas (ai, que saudades do meu país tropical!) para ter como janta e café-da-manhã.

A saída estava prevista para as 22h, mas como aqui é a Índia, deixamos o campus às 23h30min, em um carro alugado no qual cabiam nove pessoas. Estávamos em onze.
O pessoal da AIESEC se amontoou uns sobre os outros e, assim, fizeram com que viajássemos mais confortavelmente.

Paramos para jantar em um restaurante de beira de estrada quase à meia-noite e sentamos do lado de fora, em redes, para fazer a refeição. Vendo o estado da cozinha, em chão de terra batida, e a higiene dos cozinheiros, e consciente da minha enfermidade, optei por comer uma das minhas frutas e tomar um dos shakes de proteína da Lua, que havia levado comigo.

Voltamos ao carro para seguir viagem e eu peguei no sono todo o caminho, mesmo com a galera da AIESEC cantando músicas AIESECas e batendo palmas sem parar. Acordei às 3h, quando o carro parou na areia dura de Mandarmani, uma das praias do Oceano Indico.

Como já era madrugada, eu não enxergava um palmo na minha frente e não via ou ouvia o mar. Os meninos fizeram uma fogueira e todos sentaram ao redor dela. Enquanto eles faziam algumas brincadeiras de raciocínio lógico (aham, na praia), eu preparava as Caipirinhas e Sandra preparava as Margaritas.

Sem gelo e sem cachaça, as "Caipiroskas" de Smirnoff não ficaram muito boas, mas eles gostaram - ou fingiram que gostaram. O que queriam mesmo era tomar tequila.

Fiquei sentada ao redor da fogueira comendo minhas bananas e observando os indianos se embebedarem e perderem parte do seu raciocínio lógico e da sua noção do ridículo. Logo, começaram a jogar “verdade ou conseqüência” e eu me senti novamente na sétima série. Teve até dança homossexual por lá! Menos mal que eu me escondi num canto e eles, bêbados e entretidos, nem notaram a minha presença. Depois de seus joguinhos, começaram a colocar músicas indianas e fazer danças como aquelas que víamos na novela, mas sem os trajes típicos e sem as pessoas bonitas e ritmadas (PS: registrei os piores momentos em fotos e vídeos).

Puxei um saco de dormir para perto do carro e morri lá até perceber que o sol estava queimando a minha face. Já eram 7h30min da manhã e eles estavam todos, incluindo a Sandra e o Felipe, pulando no mar mais calmo e gelado que já vi na vida e brincando com uma bola de futebol nos arredores. Levantei, fiz um social e dormi de novo, desta vez dentro do carro.

Acordaram-me às 9h para tomar café e seguimos para um dos “restaurantes” na beira mar. Comeram pão, ovos, lentilhas, batatas e tudo mais que se possa imaginar, enquanto eu, já sem as minhas bananas, comi apenas um pão com manteiga e tomei uma água de coco. Meu estômago já pedia arrego de novo e eu só queria voltar para “casa”.

Saímos da praia quase às 10h e, como eu dormi bastante, era uma das únicas acordadas no carro. Fomos o caminho inteiro escutando músicas de Bollywood e eu dei graças quando finalmente chegamos à tediosa Kharagpur.

Aproveitei a tarde para curtir minha “doença” e dormir bastante.

No início da noite, me ligaram para avisar que a menina de Taiwan estava chegando. Desci para abrir a porta e dei de cara com uma loira gordinha, sem olhos puxados, e um pouco mais alta que eu. Estava vestindo trajes típicos indianos, com uma bata azul bordada com algumas flores e uma calça verde limão. Subi as escadas atrás dela fazendo caras de dúvida para Sandra.

Ela se apresentou, dizendo que seu nome era Lucia, tem 21 anos e estuda Relações Internacionais. Finalmente no quarto, tive que perguntar: “de que jeito tu és taiwanesa?”

Ela riu. “Quem disse que eu sou taiwanesa?”. Depois, nos explicou que era eslovaca e estava estudando o semestre em Taiwan. Contou-nos que teve de comprar trajes indianos logo que chegou, porque alguém lhe disse que suas roupas não eram "apropriadas" para a Índia. Ainda nos relatou um pouco sobre sua vida e suas rebeldias na adolescência fazem com que eu pareça um anjo.

Resumindo, ela já fugiu de casa porque aprontou no colégio, mentiu para uma agência de intercâmbio para poder cursar o Ensino Médio na África do Sul sem que os pais precisassem autorizar nada, morou dois anos lá, um deles com uma família louca e o outro com um africano, com quem ela queria se casar (com dezessete anos!). Por isso, seus pais tiveram que ir até a África para buscá-la e colocá-la dentro do avião para que desistisse do casamento. Então, ela começou a estudar Relações Internacionais em seu país e fazer os semestres em lugares diferentes do mundo (e por isso agora mora em Taiwan). Ela é muito gente fina e eu acredito que será uma boa pessoa para alegrar a gente com suas histórias - mas é completamente fora da casa.

Após as cativantes histórias de Lucia, minhas colegas de quarto foram dormir e eu segui acordada para trabalhar em uns slides das minhas apresentações. Quando fui me deitar, já tinha passado de uma da manhã e eu já me sentia melhor do estômago e mais otimista por ter uma nova parceria neste lugar tão... isolado.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O melhor dia até agora!

Quinta-feira, 28/01

Acordei muito mal hoje. Meu estômago doía muito e eu me sentia tonta. Contudo, isso não era desculpa para ficar me lamentando em casa, pois tinha um compromisso inadiável: as crianças da ONG iam receber colchões novos e algumas outras coisas doadas pelos canadenses do Sleeping Children Around the World (SCAW).

Convidei a Sandra para ir comigo à entrega das doações e ela prontamente aceitou. Às 9h o secretário da ONG passou em nosso flat de caminhão, com todos os pequenos na caçamba. Eles estavam todos muito empolgados com o dia que teriam pela frente.

Chegamos ao local quase às 10h, descemos as crianças da caçamba e elas seguiram em fila indiana (entendeu o trocadilho?) até o local onde receberiam o crachá com seus nomes.

O presidente do Rotary Kharagpur, que estava auxiliando o evento, nos viu e logo nos chamou para conhecer as pessoas do SCAW. Eram dois casais de canadenses muito simpáticos, que nos explicaram como funciona seu sistema de trabalho.

Eles arrecadam doações de gente de todo o mundo, em dólares, e compram colchões, mudas de roupa, sapatos, mochilas, cobertores, guarda-chuvas, material escolar e outras coisas necessárias, dependendo do país das crianças. Então, os pequenos são vestidos com suas roupas novas, posicionados atrás de um expositor com tudo que ganharam e uma foto é tirada, com o nome do doador em uma plaquinha. Este registro é enviado ao doador meio que dizendo “olha o que fizemos com o seu dinheiro”.

É um trabalho muito legal e eles nos contaram que já estiveram nas Filipinas, Honduras, Bangladesh, Nicarágua e vários países da África. Ainda mnos garantiram que todo dólar doado é repassado para as crianças.

Pedi como poderia ajudar e eles me disseram para ir auxiliar a vestir as crianças menores, que não conseguiam se arrumar sozinhas. Passei a manhã inteira vestindo meninos e meninas felizes com suas coisas novas! É um sentimento tão gratificante ver aquelas crianças felizes, que eu queria passar o dia todo ali.

Havia cerca de 500 crianças para serem atendidas no turno da manhã e quando a última criança da nossa ONG pegou seu lanche, nos despedimos do pessoal do Canadá, carregamos os colchões novos até o caminhão, junto às crianças sorridentes e satisfeitas, e fomos embora.

Demos às crianças umas maçãs que havíamos comprado em Calcutá e fomos para o flat tomar banho para ir ao campus, pois eu precisava acessar a internet a fim de obter umas informações para adicioná-las na apresentação de amanhã – sim, amanhã tem apresentação do meu projeto de novo, em outra faculdade!

Ainda na biblioteca, recebemos nosso aparelho de internet móvel funcionando novamente!

Saímos da biblioteca e fomos encontrar o pessoal do Knuts, um canal de web alternativo que o pessoal aqui inventou para passar o tempo e descontrair em época de exames. Haviam marcado uma entrevista conosco na noite anterior, e lá fomos nós, Sandra e eu, para falar sobre nossa experiência indiana e sobre nossos países de origem.

Fomos entrevistadas por dois meninos, Hímen, da AIESEC e Aquiles. Sentadas em cadeiras de rodinhas e sem cenário algum, filmaram nossa entrevista, que durou cerca de meia hora. Fizeram diversas perguntas, desde a essência de nossos projetos até o que sentíamos mais falta do nosso país. No meio da entrevista, eles me perguntaram se eu não gostaria de apresentar um programa para eles, o que aumentaria sua audiência. Perguntei quanto eles me pagariam e eles responderam: “mil sorrisos”. Então eu disse: “troco por uma ducha quente”. No fim, eles me convenceram a apresentar um programa para eles. Quero só ver no que vai dar!

Já era 19h quando saímos do “estúdio”. Os quatro meninos e uma menina que produzem o Knuts nos convidaram a ir ao Tikka’s comer alguma coisa. Eu não queria ir, porque me sentia muito mal do estômago, mas eles insistiram muito e acabamos indo.

Comi um egg roll, nos despedimos e fomos embora. Paramos no Tech Market para comprar Tylenol e experimentamos um doce regional. Também comprei um casaco preto, daquele modelo canguru, com o símbolo do IIT Kharagpur.

Voltamos para o flat, felizes com nossa internet e nosso dia maravilhoso. Minha única preocupação é que amanhã vou ganhar uma bicicleta para facilitar minha locomoção. Eu nem sei se consigo andar de bicicleta mais!

Refletindo, acho que entendi o sentido de Carma: você faz pelos outros, não espera nada em troca e recebe em felicidade própria. Câmbio justo.