Domingo, 10/01
O tempo passa muito devagar quando a gente está em Kharagpur, sem nada para fazer. Ironicamente, acontece o contrário quando estamos em Calcutá, já que falta tempo para vermos tudo o que queremos ver nessa enorme cidade. Domingo, a Lua e eu saímos de manhã pelos arredores da casa do Mallick para ver um pouco das ruas e tentar comprar créditos para os nossos celulares indianos. Não conseguimos, pois a maioria das lojas estava fechada. Então, entramos em uma padaria muito bonitinha e compramos uns docinhos de café-da-manhã.
Logo em seguida, saímos para o Victoria Memorial, um palácio exuberante, construído para a Rainha Victória, da Índia (na verdade, ela era da Inglaterra) pelos anos 1.800. É um lugar lindo, com jardins enormes e alguns lagos artificiais, além do próprio palácio, todo em mármore branco. Logo na entrada, várias pessoas começaram a me olhar com curiosidade e o Mallick me explicou que era gente do interior, que não era acostumada a ver pessoas brancas como eu. “Tudo bem”, pensei, “desde que fiquem só olhando”.
Então, elas começaram a se aproximar e falar híndi. Queriam que eu tirasse fotos com elas apertando suas mãos! “De jeito nenhum!” - eu disse – E eu lá sou chefe de Estado prá tirar fotos apertando a mão das pessoas? Mas, me parece, que, por aqui, ninguém entende o que quer dizer não. Tirei a foto com os três homens que me abordaram e, quando eu vi, tinha uma fila de pessoas, homens, mulheres e crianças, para tirar foto comigo! Se ficássemos ali, não daria tempo de ver tudo o que tínhamos planejado para o dia. Então, Mallick gentilmente os dispensou e seguimos nosso caminho até o palácio.
Lá dentro, há um museu com toda a história de Calcuttá, estátuas, pinturas, vestimentas de reis e rainhas, manuscritos mais antigos que o Brasil e muitas outras coisas interessantes. Contudo, é estritamente proibido tirar fotos lá dentro! Obediente que sou, deixei a câmera sem o flash e comecei a tirar fotos escondida dos guardas. Tudo ia bem, até o segundo andar, quando um cara veio na minha direção gritando em híndi, enquanto eu tentava tirar uma foto do enorme quadro com a pintura de Gandhi. Vocês acreditam que ele estava disfarçado, no meio da multidão de gente? Começou a gritar e a puxar a câmera da minha mão. Puxei a câmera de volta com toda a minha força e apaguei as fotos na frente dele, mas ele insistia em puxar a câmera de volta. Estava uma gritaria ao meu redor, um bolor de gente e joguei a câmera dentro da bolsa e agarrei-a com força. A gritaria cessou e todos se dispersaram, inclusive o guarda. Perguntei ao Mallick o que havia acontecido. Ele disse que o guarda queria tomar a minha câmera para pegar o cartão de memória, mas as pessoas começaram a mostrar seus celulares dizendo que também estavam tirando fotos escondidas e que iriam deletá-las, mas que ele não me levasse nada. Fiquei cismada. Por que fizeram isso por mim? Se eu estivesse no Louvre, em Paris, os europeus teriam a mesma atitude? Se isso acontecesse no Brasil, eu teria reagido assim para defender um estrangeiro que eu nem sei quem é?
Saímos do Victoria Memorial, passeamos um pouco pelos jardins, e fomos comprar ingressos para irmos ao circo à noite. Com os ingressos adquiridos, paramos em um restaurante para jantar (às 17h30min), pois não havíamos feito nenhuma outra refeição durante o dia. Mallick pediu o que achou ser mais seguro para nossos estômagos estrangeiros e acabamos comendo frango, carne de cordeiro, um pão não-fermentado e arroz. Claro, que nenhuma refeição aqui é perfeita. Na minha primeira garfada de arroz, a queimação já habitual do chilli. Ótimo.
Terminamos de comer e fomos ao circo. Eu pensei que ia ser super legal e diferente, mas é bem parecido com os circos brasileiros, na verdade. Os truques são um pouco fracos e a atração principal, além dos coitados dos animais, velhos e com aparência maltratada, é a acrobacia de três meninas orientais muito boas.
Saímos do circo por volta das 21h e fomos a uma cafeteria, de franquia internacional, chamada Barista. É um ambiente muito legal e (parece ser) bem limpo. Ao invés de tomar um café, me dei o luxo de tomar um milk-shake com sabor de café e chocolate coroado por uma bola de sorvete. Tão bom quanto parece!
Voltamos à casa do Mallick pelas 23h, tomei um banho, e acessei a internet. Fui dormir só pelas 4h da manhã, quase não querendo voltar para Kharagpur, onde não tem internet, circo ou milk-shake.
Segunda-feira, 11/01
Acordei cansada hoje. O quarto onde durmo, quando estamos na casa do Mallick, é muito claro e cercado de vizinhos gritões que possuem animais incontroláveis. Porém, todos aqui parecem ser acostumados a esse tipo de barulho.
Quando me levantei, já era quase 10h e o Mallick estava fazendo nosso café da manhã. No prato, tinha ovos mexidos com legumes, ovo frito, dois pedaços de pão e geléia de frutas. Tudo muito saudável! Mas é porque aqui eles tomam um café assim, reforçado, às 10h e almoçam entre 14h e 15h.
Comi só um pouquinho, porque ninguém levanta da cama e consegue digerir aquilo tudo. E, para a minha alegria, logo descobri que dentro do pão havia vários pedacinhos de pimenta-do-reino!
Saímos, Lua e eu, às 12h30min para pegarmos os trem das 14h na estação de Calcutá. Desta vez, não tivemos problemas para encontrar o trem e o nosso vagão, mas o motorista do táxi, que nos levou até lá, fez uma volta enorme antes de chegar à estação porque viu que éramos estrangeiras e não sabíamos o caminho que deveríamos tomar. Tentei discutir com ele no final da corrida, mas a Lua pediu que eu deixasse para lá e não nos colocasse em confusão. Também achei melhor assim.
Assim que sentamos no nosso banco, chegaram as outras pessoas que dividiriam o compartimento conosco. Uma família de indianos com uma criança pequena. A viagem foi menos longa do que esperávamos e chegamos à estação de Kharagpur cerca de quinze minutos antes do previsto. O único motivo de eu não gostar dos trens aqui é que sempre tem gente mendigando nos vagões. E não são poucas pessoas. Passam cerca de dez mendigos por viagem, sejam crianças, idosos ou mulheres. E, se eles vêem que você deu qualquer dinheiro prá um deles, todos os outros vão até você com a mão estendida.
Eu me esqueci de contar que, na minha ida à Calcutá, no sábado, um menino de cerca de oito anos estava pedindo dinheiro. Com um pedaço de madeira na mão, ele flagelava as próprias costas, pescoço, pernas e braços e saía com a mão estendida. Ele parou na minha frente e ficou dando pauladas em seu pescoço. Até que eu, que só queria que ele parasse com aquilo, tive de dar algumas rúpias prá ele.
Voltando ao dia de hoje, chegamos na estação de Kharagpur e pegamos um táxi até o apartamento. Cheguei, louca de vontade de tomar banho, por causa da poeira no trem, mas a água estava muito suja novamente. Liguei para o Rahul e ele me disse para abrir todas as torneiras até acabar a água, ligar o motor do tanque que abastece a casa e esperar para que a água suja fosse substituída.
Esperei até umas 20h30min para que a água estivesse própria para o banho. Enquanto esperava, li um pouco do livro que tenho comigo (A arte da Felicidade) e fiz algumas reflexões sozinha, enquanto a Lua dormia.
Frustrada com o problema corriqueiro da água no apartamento e chateada por não poder ver meu querido namorado colar grau esta semana (depois de quatro anos de ajudas mútuas em nossas faculdades), pensei bastante sobre o fato de estar aqui, e cheguei a uma conclusão: se eu estou onde estou hoje, é porque fiz escolhas. Por um motivo ou outro, eu quis estar aqui. Agora eu tenho mais uma escolha pela frente. Eu sei que vou me adaptar, porque é natural do ser humano se adaptar ao meio em que se insere. Contudo, eu tenho o poder de escolher se vou facilitar ou dificultar essa adaptação. Na hora, me dei conta que ainda não havia desfeito a minha mala. Levantei da cama, tirei todos os meus pertences para fora, organizei-os novamente na mala de modo a ficarem mais acessíveis para o dia-a-dia e coloquei algumas coisas nas prateleiras. Agora sim, esse lugar parece com um quarto!
Um pouco mais satisfeita, tomei meu banho, comi um Cup Noodles (vegetais apimentados!) e uma bergamota. Agora vou terminar este texto, secar meus cabelos, ligar para a família e ir dormir. Continuo um pouco chateada pela formatura que vou perder, mas fazer o que? Eu escolhi estar aqui e eu não escolheria fazer uma loucura dessas se eu não tivesse certeza que isso vai ser positivo na minha vida e, tomara, na vida de algumas pessoas por aqui.
Capítulo final
Há 14 anos
Bom.. a questão da adaptação é bem como tu disse, o ser humano é propício a isso, mesmo que no teu caso seja muito difícil! Primeiro é preciso ter vontade, mesmo que ela demore a vir!
ResponderExcluirA respeito da formatura, o teu papel na minha formação foi maior do que tu estar ou não presente na solenidade(que eu nem gostaria de ir, se não fosse obrigado!)
Beijos e continue firme :)
Adriano
Vanessa! Muito legal ler os teus relatos e ver como essa experiência está sendo enfrentada por aí! Espero que as coisas melhorem a cada dia! Gostei muito mesmo de ler teus textos, percebe-se a diferença de alguém (quase) formado em jornalismo. Hehehe
ResponderExcluirQualquer coisa manda e-mail pros EPS para chorar as pitangas, reclamar da vida e essas coisas! Claro que queremos saber as coisas boas também né! :D Semana que vem eu vou.
Manteremos contato!
Um beijo e aguenta aí!
Bibiana Serpa