quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O melhor dia até agora!

Quinta-feira, 28/01

Acordei muito mal hoje. Meu estômago doía muito e eu me sentia tonta. Contudo, isso não era desculpa para ficar me lamentando em casa, pois tinha um compromisso inadiável: as crianças da ONG iam receber colchões novos e algumas outras coisas doadas pelos canadenses do Sleeping Children Around the World (SCAW).

Convidei a Sandra para ir comigo à entrega das doações e ela prontamente aceitou. Às 9h o secretário da ONG passou em nosso flat de caminhão, com todos os pequenos na caçamba. Eles estavam todos muito empolgados com o dia que teriam pela frente.

Chegamos ao local quase às 10h, descemos as crianças da caçamba e elas seguiram em fila indiana (entendeu o trocadilho?) até o local onde receberiam o crachá com seus nomes.

O presidente do Rotary Kharagpur, que estava auxiliando o evento, nos viu e logo nos chamou para conhecer as pessoas do SCAW. Eram dois casais de canadenses muito simpáticos, que nos explicaram como funciona seu sistema de trabalho.

Eles arrecadam doações de gente de todo o mundo, em dólares, e compram colchões, mudas de roupa, sapatos, mochilas, cobertores, guarda-chuvas, material escolar e outras coisas necessárias, dependendo do país das crianças. Então, os pequenos são vestidos com suas roupas novas, posicionados atrás de um expositor com tudo que ganharam e uma foto é tirada, com o nome do doador em uma plaquinha. Este registro é enviado ao doador meio que dizendo “olha o que fizemos com o seu dinheiro”.

É um trabalho muito legal e eles nos contaram que já estiveram nas Filipinas, Honduras, Bangladesh, Nicarágua e vários países da África. Ainda mnos garantiram que todo dólar doado é repassado para as crianças.

Pedi como poderia ajudar e eles me disseram para ir auxiliar a vestir as crianças menores, que não conseguiam se arrumar sozinhas. Passei a manhã inteira vestindo meninos e meninas felizes com suas coisas novas! É um sentimento tão gratificante ver aquelas crianças felizes, que eu queria passar o dia todo ali.

Havia cerca de 500 crianças para serem atendidas no turno da manhã e quando a última criança da nossa ONG pegou seu lanche, nos despedimos do pessoal do Canadá, carregamos os colchões novos até o caminhão, junto às crianças sorridentes e satisfeitas, e fomos embora.

Demos às crianças umas maçãs que havíamos comprado em Calcutá e fomos para o flat tomar banho para ir ao campus, pois eu precisava acessar a internet a fim de obter umas informações para adicioná-las na apresentação de amanhã – sim, amanhã tem apresentação do meu projeto de novo, em outra faculdade!

Ainda na biblioteca, recebemos nosso aparelho de internet móvel funcionando novamente!

Saímos da biblioteca e fomos encontrar o pessoal do Knuts, um canal de web alternativo que o pessoal aqui inventou para passar o tempo e descontrair em época de exames. Haviam marcado uma entrevista conosco na noite anterior, e lá fomos nós, Sandra e eu, para falar sobre nossa experiência indiana e sobre nossos países de origem.

Fomos entrevistadas por dois meninos, Hímen, da AIESEC e Aquiles. Sentadas em cadeiras de rodinhas e sem cenário algum, filmaram nossa entrevista, que durou cerca de meia hora. Fizeram diversas perguntas, desde a essência de nossos projetos até o que sentíamos mais falta do nosso país. No meio da entrevista, eles me perguntaram se eu não gostaria de apresentar um programa para eles, o que aumentaria sua audiência. Perguntei quanto eles me pagariam e eles responderam: “mil sorrisos”. Então eu disse: “troco por uma ducha quente”. No fim, eles me convenceram a apresentar um programa para eles. Quero só ver no que vai dar!

Já era 19h quando saímos do “estúdio”. Os quatro meninos e uma menina que produzem o Knuts nos convidaram a ir ao Tikka’s comer alguma coisa. Eu não queria ir, porque me sentia muito mal do estômago, mas eles insistiram muito e acabamos indo.

Comi um egg roll, nos despedimos e fomos embora. Paramos no Tech Market para comprar Tylenol e experimentamos um doce regional. Também comprei um casaco preto, daquele modelo canguru, com o símbolo do IIT Kharagpur.

Voltamos para o flat, felizes com nossa internet e nosso dia maravilhoso. Minha única preocupação é que amanhã vou ganhar uma bicicleta para facilitar minha locomoção. Eu nem sei se consigo andar de bicicleta mais!

Refletindo, acho que entendi o sentido de Carma: você faz pelos outros, não espera nada em troca e recebe em felicidade própria. Câmbio justo.

O início de mais uma semana em Kharagpur

Segunda-feira, 25/01

Descobrimos, na noite de sábado, que Isis não moraria conosco, porque estava designada a trabalhar em uma vila no interior. Por isso, ela viajaria para seu destino na segunda de manhã. Com suas malas prontas, esperamos pelo pessoal da AIESEC vir buscá-la, mas eles ligaram e avisaram que não conseguiriam viajar com ela na data combinada. Isto significava que passaríamos mais um dia desempenhando o papel de babá.

Nesta dia, resolvemos começar a almoçar no campus, na cantina do dormitório do Felipe, pois seria mais barato e nos alimentaríamos melhor. Perto do meio-dia, saímos para lá e acertamos com os responsáveis que almoçaríamos ali todos os dias.
Deram-nos uma bandeja, daquelas com divisórias, uma colher e um copo. Seguimos em fila pelo balcão, onde podíamos escolher o que queríamos. Eu não sabia identificar o que estava na minha frente, à exceção do arroz branco, então resolvi testar um pouco de tudo.

No resumo da ópera, até agora não sei o que eu comi. Só sei que não havia nenhum tipo de carne e tudo estava muito apimentado. Hoje, depois de três semanas aqui, o Felipe resolve me dizer que, se eu colocar limão na comida, o ácido neutraliza o gosto da pimenta.

Corri para o balcão atrás de limões e, para a minha alegria, havia alguns cortados para se colocar nos molhos. Catei quatro e os respinguei por toda a comida, que ficou com gosto azedo. Bem, melhor azedo do que apimentado.

Saímos de lá e passamos parte da tarde na biblioteca, acessando a internet. No fim da tarde, fomos até o Tikka (o “restaurante” do egg roll) para experimentar o famoso Tchai e comer os chocolates caseiros que o pessoal da AIESEC trouxe do Congresso Nacional em que estiveram e, com os quais gentilmente nos presentearam.

No primeiro gole, não gostei do sabor do Tchai. Quer dizer, eu nunca havia tomado chá com leite antes na vida! Então, o gosto foi meio estranho. Logo mudei de ideia. Senti que o Tchai tem um gosto refrescante, acho que é de gengibre, e até que não é de todo ruim.

Saímos de lá e fomos até a Café Coffee Day, a cafeteria que sempre vamos, porque tínhamos uma reunião com o presidente do comitê local da AIESEC. A Sandra queria fazer umas reclamações sobre como foi recebida aqui e eu queria discutir o rumo do meu projeto. Em meio a Capuccinos, nossa amigável discussão não terminou em resultado algum e seguimos sozinhas para o flat.

O homem que pedala o Rickshaw não entendia onde queríamos chegar e nos vimos no meio de um bolor de gente discutindo nosso destino. Sandra ficou muito frustrada e começou a chorar, Isis não se mexia de medo e sobrou para mim tomar as rédeas da situação. Conversei o máximo que consegui com as pessoas ao meu redor, puxei as duas dali e liguei para que alguém viesse nos buscar.

Sandra ainda chorava enquanto voltamos pelo caminho escuro, a pé, acompanhadas por um membro do comitê. Indignada, peguei o telefone e liguei para o Presidente da AIESEC aqui, que não me atendeu e passou o telefone para um de seus vice-presidentes. Falei, mais uma vez, tudo que havia falado em nossa reunião informal anterior e fiz exigências por mim e pela Sandra. Novamente, nos foi prometido que meu projeto andaria melhor, teríamos internet em casa e seria encontrado um jeito para não termos de nos deslocar mais sozinhas a noite.
Quero ver.

Por enquanto, dependemos da boa vontade dos outros membros em nos acompanhar até o flat e do spray de pimenta que Sandra trouxe do México.

Terça-feira, 26/01

Pela manhã cedo, Isis finalmente foi embora. Não que eu não gostasse dela por aqui, pois é sempre bom ter mais companhia. Mas ela era muito dependente de nós para fazer tudo, nunca falava nada e sempre parecia perdida. Além de ter o péssimo hábito de mastigar seus alimentos com a boca aberta, fazendo o barulho irritante de um coelho faminto comendo uma cenoura.

Hoje é feriado do Dia da República, portanto haveria desfiles e comemorações por toda a cidade. Como a ONG manteria algumas atividades durante o feriado, eu fui até lá para ver o que seria feito.

Cheguei lna sede sabendo que as professoras iriam à vila onde as crianças atendidas moram e me prontifiquei a ir com elas. Até todas as professoras chegarem, eu estava esperando em um banco de madeira ao lado da porta de entrada da sala de aula dos pequenos. Lá dentro, acontecia uma discussão acalorada, em bengoli, da qual duas mulheres e cerca de dez homens participavam. Perguntei aos homens que estavam parados à porta sobre o que era a discussão. Disseram-me que era sobre a falta de energia elétrica na vila, e que a comunidade queria ajuda da ONG para estender a eletricidade da organização para as casas no vilarejo (em bom português, leia-se: gato).

Logo, as mulheres saíram e se apresentaram a mim. Achei estranho, pois as mulheres daqui sempre me cumprimentam com um aceno de cabeça, quando o fazem. Acontece que Ali e Sâmia não eram mais duas recatadas esposas indianas. Eram prostitutas que trabalham na vila.

Ambas tinham diversas marcas da idade avançada espalhadas nos corpos voluptuosos enrolados em sarees vermelhos. Fiz a elas várias perguntas sobre suas vidas e sobre como se protegem da gravidez e do HIV. Elas me contaram que são portadoras do vírus e que usam camisinhas sempre. Além disso, disseram que a cada três meses o pessoal da ONG dá a elas um exame de sangue para testar o nível de células CD4, para controlar a infecção.

Depois de uma longa e descontraída conversa, as professoras foram chegando, vestidas todas em seus uniformes (um saree cor de creme com listras vermelhas nas bordas) e seguimos nosso caminho, a pé, para a vila de refugiados de Bangladesh e para a vila Kharagpur, que fica atrás da ONG.

Fiquei chocada com as condições em que estas pessoas vivem. Famílias inteiras dividem casas de barro e pau-a-pique de um cômodo só e tomam banho e lavam suas roupas nos lagos imundos, encontrados frequentemente por aqui. Além disso, dividem os lagos e as estreitas ruas com vacas, ovelhas, carneiros, patos e uma infinidade de cachorros abandonados.

Saí de lá muito suja por causa da grande quantidade de poeira que voa de um lado para o outro (aqui, nunca chove no inverno) e corri para o flat a fim de tomar um banho.

Já limpa, fui ao campus para encontrar a Sandra e o Felipe. Como eles teriam uma reunião do seu projeto, fiquei no quarto do Felipe, sozinha, para acessar a internet, especialmente o Skype, que não conseguimos acessar da biblioteca, uma vez que lá temos de fazer silêncio. Consegui ver e escutar toda a minha família por cerca de meia hora! Adorei! Mas logo os meus dois novos amigos latinos retornaram e eu tive que me desconectar.

Antes disso, as pessoas começaram a vir falar comigo no MSN perguntando do Adriano, meu namorado que estava fazendo um mochilão no Peru. Não entendi o repentino interesse por ele e só fui compreender quando uma boa alma caridosa (lê-se: Daiane Tisgaça) resolveu me explicar que enchentes horríveis assolaram aquele país e centenas de brasileiros estavam ilhados lá.

Tentei ligar para a família dele, pois seu celular não funciona lá e para a minha para pedir notícias e demorei até conseguir uma ligação.

Com a promessa de que me mandariam notícias, fui a um restaurante com a Sandra, o pessoal da AIESEC e três indianas muito simpáticas que os meninos queriam que conhecêssemos para que nos fizessem companhia (é péssimo estar sempre na companhia de homens!).

Ainda com a cabeça em Cuzco, não participei muito da janta e só comi o que me trouxeram, acredito que era a comida mais apimentada do mundo! Até as lentilhas tinham molho picante e acabei comendo muito pouco.

Já no Rickshaw, a caminho de “casa” recebi uma ligação da minha mãe e uma mensagem da mãe do Adriano dizendo que ele estava bem, ainda não havia chegado a Macchu Picchu e iria fazer o caminho de volta à Bolívia.

Chegamos ao flat, Sandra e eu, e pude dormir tranquila. Quer dizer, mais ou menos, pois a sensação de azia com toda aquela pimenta é para tirar o sono de qualquer um.

Quarta-feira, 27/01

Queria acordar cedo na quarta para preparar minhas apresentações do final da semana, mas não teve jeito. Estava podre de cansada por causa da gripe. Eu não entendo essa gripe! Ela vai e volta e tem dias que me sinto muito bem e disposta e dias que me sinto muito mal, com dor no corpo e a garganta fechada.

Tomei o último Tylenol brasileiro que restava na minha bolsa, uma vitamina C, comi uma bergamota e fomos até a cantina do dormitório do Felipe para o almoço. A comida estava um pouco melhor e tinha até peixe para comer. Coloquei limão em tudo e almocei sem mais problemas.

Saímos do refeitório e fomos ao quarto do Felipe agendar nossas passagens aéreas para Jaipur. Planejamos que sairemos dia 12 de fevereiro, pela manhã, de Calcutá, iremos de avião até Jaipur, conhecer a mais indiana das cidades da Índia (me-do), seguiremos de trem até Agra, para ver o Taj Mahal, pegaremos outro trem até Nova Déli, para conhecer a cidade e de lá voaremos de volta até Calcutá no dia 17, meu aniversário, para eu embarcar para o Brasil às 2h45min da madrugada do dia 18 de fevereiro.

Comprar as passagens pela internet foi quase um parto e nos tomou toda a tarde. Como sempre, o Felipe conseguiu primeiro, depois a Sandra, depois eu. Não sei o problema que estes servidores têm contra cartões de crédito estrangeiros! Tanto que saímos do dormitório e fomos usar a internet da biblioteca achando que seria um problema de Proxy.

Saímos da biblioteca quase às 19h, pegamos um Rickshaw e fomos para o flat. Queríamos fazer uma sopa de tomate, aquelas de saquinho, e o fogão não estava funcionando. Grande engenheira que é, Sandra consertou o fogão, queimou um fusível e restaurou a eletricidade do flat em menos de uma hora – e ela fez isso só com uma pinça!

Cozinhei a sopa e, vendo que estava pura pimenta, joguei um miojo despedaçado dentro e conseguimos comer. Tomei um banho e fui dormir limpa e bem alimentada.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Firanghis em Calcutá

Quinta-feira, 21/01

Acordamos cedo para esperar o pessoal da ONG, mas eles não vieram nos buscar. Ligamos e eles alegaram que estavam muito ocupados com uns problemas e que teríamos que voltar somente na outra semana. Com isso, conversamos e decidimos que iríamos para Calcutá na sexta-feira e passar o fim de semana lá, para ver os pontos turísticos que faltavam e passar um tempo longe de Kharagpur.

Perto do meio-dia, então, saímos, as quatro intercambistas (Lua, Sandra, Isis e eu), para o campus a fim de aproveitar o começo do Spring Fest, um festival anual que reúne estudantes de todo o país. O Spring Fest começaria naquela noite, mas o campus já estava lotado e enfeitado para receber os visitantes.

Ensinamos à Isis tudo que ela precisava saber sobre o campus, apresentamos a ela o nosso seguro egg roll, e mostramos como ela deveria fazer para acessar a internet. Ela é tão perdida, coitada! Ainda não tem nem ideia do que veio fazer aqui!

Na noite de quinta, o Felipe resolveu promover um churrasco, porque não aguentava mais essa vida a base de vegetais, peixe e frango. Com isso, nós quatro ficamos responsáveis pelas batatas, limões, tomates e refrigerantes. Fomos até o “mercado” do campus e adquirimos tudo o que precisávamos. Então, nos dirigimos até o dormitório do Felipe para dar início ao esperado churrasco.

Primeiro: o churrasco ia acontecer no telhado do prédio onde ele mora, porque é proibido fazer festa dento do campus. Para chegar lá, tínhamos que subir, no escuro, uma daquelas escadas de madeira que balançam a medida que se sobe.

Segundo: como não se achou carne de vaca nem com os mulçumanos (eles são os únicos que comem carne bovina por aqui), o pessoal comprou carne de... bode!

Perto das 21h, estávamos todos no telhado tentando não fazer barulho, na escuridão da noite, iluminada apenas pelo fogo da churrasqueira improvisada que montaram. Eu não estava bebendo nada, porque sabia que, a qualquer momento, teria que descer aquela escada bamba e não quis arriscar despencar na avenida do campus e ser manchete internacional. Contudo, o pessoal estava bebendo cerveja e a Sandra resolveu apresentar sua mexicana tequila aos indianos. Uma das meninas indianas que estava lá tomou um shot, com limão e sal e bebeu mais ou menos um copo de cerveja depois. Gente, eu nunca vi alguém ficar bêbado tão rápido! Ela começou a dançar, gritar, cantar músicas medonhas da Mariah Carrey e da Shania Twain, até que desmaiou. Deitou no chão e ficou por lá. Como levaram ela para baixo, eu nem imagino!

Entediadas, aproveitamos a deixa para ir embora e retornamos ao nosso flat para dormir, já que teríamos que pegar o trem às 8h20min da manhã do dia seguinte, se quiséssemos aproveitar bem o dia em Calcutá.

Sexta-feira, 22/01

Levantamos cedo e nos ajeitamos para ir à estação pegar o trem que nos levaria à movimentada Calcutá. Chegamos em nosso terminal exatamente às 8h20min, hora prevista para a saída do trem. Mas, como de costume, o trem atrasou e demorou mais de meia hora para chegar.

Com o atraso, descemos em Calcutá somente perto do meio-dia e Sandra, Isis e eu seguimos para o aparamento do Mallick, onde nos hospedaríamos no fim de semana. Ajeitamos nossas coisas e saímos correndo para uma pizzaria muito famosa por aqui chamada Domino’s. Comemos uma pizza maravilhosa de frango barbecue com queijo extra. Era o paraíso para quem passa a semana à base de egg roll, Chicken Burger e miojo. Inclusive, quando me deram o papel para críticas e sugestões, lembro que escrevi a palavra “heaven” (paraíso, em inglês) em alguma parte!

Como a Sandra precisava de um novo lap top, fomos a uma loja especializada, onde ela logo achou um que lhe servia e comprou. Lembro que chegamos à loja às 14h e saímos de lá às 19h. Tudo aqui demora mil anos para acontecer por causa da burocracia, especialmente quando envolve pessoas estrangeiras (lembrem que eu estou aqui há quase três semanas e ainda não me conseguiram uma internet apropriada). Mas, como disse um menino da AIESEC aqui prá mim: vocês têm que ser pacientes, as coisas levam muito tempo para acontecer na Índia!

Saímos da loja e já era noite lá fora, por isso teríamos que arrumar um programa a portas fechadas. Descobrimos que eles têm um shopping aqui que dizem ser o maior da Ásia (du-vi-dei) e fomos lá ver qual era a moral deste tal de South City Mall. Para chegar até lá, pegamos um ônibus lotado que nos deixaria na frente do local, e até o cobrador tentou nos enganar com o preço da tarifa! Ainda bem que estamos ficando muito ligadas nestas coisas e estamos aprendendo a falar mais alto e com mais força que eles.

Realmente, o lugar era enorme e parecia outro mundo dentro da Índia! Toda a pobreza e sujeira ficam do lado de fora, no outro lado da rua, e lá dentro é uma vastidão de lojas de marca, pessoas bem arrumadas e ar limpo para respirar.

Olhamos um pouco as lojas e comemos na enorme praça de alimentação. Comi um arroz misturado com vegetais e frango indiano. Estava bom, mas eu ainda tenho dificuldade de entender por que colocar pimenta até no arroz!

Saímos de lá pelas 21h e seguimos direto para a casa do Mallick. Ele perguntou se queríamos ir ao cinema ver um filme de Bollywood e concordamos na hora! A sessão era às 22h30min e chegamos lá em cima da hora.

O filme era um épico sobre um guerreiro indiano que luta contra a dominação dos firanghi britânicos na Índia. O nome do filme é Veer, ou seja, guerreiro em híndi. Juro que, no Brasil, o filme seria lançado como comédia! O personagem protagonista tem cerca de 20 anos, mas o ator que o interpreta tem quase 50 e é muito amado pelo povo daqui. Detalhe: ele já matou nada menos que sete pessoas ao dirigir embriagado!

No filme, eles dançam e cantam metade do tempo e o público, no cinema, aplaude e acompanha o ritmo com palmas. Está certo que eu assisti o filme em híndi e sem legendas, só com a tradução instantânea do Mallick, mas mesmo assim falta algum nexo na história. Por exemplo: no fim do filme, ele toma um tiro no peito, luta toda uma batalha somente com uma espada, hasteia sua bandeira e, então, morre.

Não existe beijo na boca em fime de Bollywood, e a cena mais sensual é quando o protagonista dá um beijo na testa da mocinha, corta a cena e eles estão deitados ao lado da banheira muito bem vestidos e penteados.

Voltamos para o apartamento, em ritmo de Bollywood, e fomos deitar na hora. Sandra e eu, que dividíamos uma cama de casal, ainda ficamos conversando até as 3h da manhã. Eu falando português e ela falando espanhol, em um Babel totalmente compreensível de duas latino-americanas perdidas na Índia, mas felizes por rir um pouquinho das estranhezas destes asiáticos...

Sábado, 23/01

Acordamos quase meio-dia e fomos direto a uma loja de departamentos chamada Big Bazaar a fim de pegar a promoção de sábado e trazer coisas mais baratas para Kharagpur. No meio da multidão enlouquecida, conseguimos comprar bolachas, miojo, sopa, leite, suco e bergamotas para passar bem a semana.

Em seguida, almoçamos rapidamente no centro comercial onde fica o mercado (o mesmo no qual havíamos ido ao cinema na noite anterior) e fomos até a loja de computadores buscar o novo lap top da Sandra.

Já eram quase 16h quando seguimos para o BBD Bagh, uma espécie de bairro com prédios em estilo Vitoriano, que datam da época do Império Britânico na Índia. Lá, vimos o prédio do General Post Office (Correios), muito branco e com uma cúpula redonda no topo, a Saint Andrew’s Kirk, uma igreja não muito bonita e o Writer’s Building, onde se reuniam os poetas e pensadores indianos no início do século XX. Este último era o que eu mais queria conhecer! Mas, adivinha o que? A fachada estava em reforma e estrangeiros não são permitidos dentro do prédio!

Caminhamos mais um pouco pelas redondezas e, como já escurecia, fomos novamente ao South City Mall para jantarmos e para a Sandra procurar uma máquina fotográfica para ela.

No caminho de volta, paramos em uma lan house por uma hora e chegamos à casa do Mallick por volta da 22h30min. A essa hora, ele e Lua já haviam ido viajar e nós, sozinhas no apartamento, vimos um pouco de TV indiana, preparamos o itinerário para o dia seguinte e, exaustas, fomos dormir.

Domingo, 24/01

Acordamos muito cedo para seguir o itinerário feito na noite anterior e às 8h30min, como havíamos planejado, saímos do apartamento do Mallick para a Mother Teresa House. No caminho, o taxista tentou nos enganar fazendo um grande círculo antes de chegar ao local pedido por nós. Com o pé atrás, como estou com estes taxistas daqui, abri a janela e perguntei a um senhor onde era a Casa de Madre Teresa, ao que ele me indicou a direção oposta a qual estávamos indo. Gritei com o taxista até que ele fez a volta e nos largou no lugar certo.

A casa onde viveu Madre Teresa de Calcutá e onde ela jaz hoje é um lugar muito simples em um pequeno beco. Lá dentro, vimos seu túmulo e o quarto onde ela vivia e trabalhava. O quartinho é muito pequeno e apertado, e ali é proibido tirar fotos. Tem apenas uma cama, um armário, uma escrivaninha com um banquinho, onde ela escrevia suas famosas cartas abertas à comunidade, e uma mesa com seis lugares para reuniões com outras pessoas. Não sei como ela se mexia ali dentro. O quarto, aliás, foi o lugar onde ela faleceu. Antes de ir embora, ganhamos uma medalhinha beijada por uma das irmãs. Logo descobri que este gesto era característico de Madre Teresa, quando visitava os pobres.

Saímos de lá e fomos para o Indian Museum, o museu mais antigo da Índia. Lá tem várias galerias, com relíquias hindus e egípcias, além de seções de botânica, pinturas clássicas e esculturas. Mas a visita vale mais a pena pelo prédio em si, que é em estilo Vitoriano e tem um jardim muito bonito.

A entrada para indianos custa dez rúpias. Para estrangeiros, o valor é de 150 rúpias, com mais 50 rúpias por câmera fotográfica, se quiserem tirar fotos lá dentro. O pessoal aqui adora cobrar demais dos turistas!

Tentamos ver tudo com muito interesse, mas havia coisas que simplesmente não nos chamavam a atenção, como as partes de moedas antigas (xerocadas em um papel), pedras naturais da Índia e Botânica.

Perto do meio-dia, fomos almoçar no McDonalds, onde eu pedi o número um deles aqui, o McVegie. Basicamente, o recheio é um empanado de vegetais o molho do Big Mac, mas o gosto é bom.

Seguimos a pé para o Vitoria Memorial, pois a Sandra e a Isis ainda não conheciam o lugar. Elas entraram e eu fiquei passeando pelos jardins e tendo outro dia de popstar, tirando fotos com as pessoas e vendo elas tirando fotos minhas, disfarçando como se estivessem tirando fotos dos lugares em que eu estava.

Voltamos para o apartamento do Mallick, terminamos de arrumar nossas coisas e de deixar o lugar em ordem e fomos para a estação de trem. O taxista queria nos cobrar duzentas rúpias para nos levar até lá, mas eu, aprendendo os maus modos indianos, negociei com mão firme e consegui chegar ao preço justo de 150 rúpias. No fim das contas, ele deixou o taxímetro ligado e o preço saiu 165 rúpias, mas eu paguei o combinado.

No trem, um homem havia ocupado o nosso lugar das bagagens. Perguntei, em voz alta, a quem pertenciam aquelas malas e pedi que ele as retirasse. Ele riu de mim. Na segunda vez, exigi que ele mudasse as malas dele de lugar, pois eu sabia que aquela parte era destinada a nós. Todo mundo estava olhando e ele, de contragosto e meio envergonhado, mudou suas bagagens de lugar.

Satisfeitas, sentamos em nossos desconfortáveis assentos, colocamos nossas bagagens no lugar certo e seguimos viagem, onde chegamos e fomos direto para o flat, descansar do fim de semana corrido e nos preparar para mais uma semana na monótona Kharagpur.

PS: Sim, firanghi realmente é uma palavra em híndi e eu já ouvi ela ser pronunciada perto de mim diversas vezes, especialmente por mulheres desgostosas com a minha presença no local.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

"e quando a gente acha que está no fundo do poço..."

Quarta-feira, 20/01

Finalmente, voltamos ao trabalho na ONG! No caminho, de manhã, já foi possível perceber que hoje é um dia festivo aqui na pequena Kharagpur. Descobri que é o dia da Deusa da Educação (ou sabedoria) que se chama Saraswatsi.

Nas ruas, as pessoas estavam bem ajeitadas (na medida do possível, dentro do contexto social) e enfeitadas e havia vários templos improvisados com pessoas na frente, ajoelhadas, sentadas ou varrendo a calçada.

Um fato que me chamou atenção foi que todas as imagens da deusa estavam com os rostos cobertos por panos brancos. Perguntei ao secretário da ONG o que aquilo significava e ele me disse que elas só poderiam "enxergar os fiéis" após a Puja, que é como eles chamam os festivais para as deusas.

Ou seja, o ritual de celebração de hoje é chamado Saraswatsi Puja, o da Deusa Durga, em outubro, se chama Durga Puja, e assim vai.

Em cada canto de Kharagpur, as pessoas estavam celebrando a Puja. Na ONG, não era diferente e as crianças estavam com suas melhores vestes para agradecer e pedir sabedoria à deusa.

Participamos de todo o ritual, descalças, e pudemos ver o Pandit fazendo as orações e oferendas, sentado em frente à imagem, enquanto as professoras e a crianças prestavam atenção. De vez em quando, o pandit tocava um sino e todos começavam a gritar e fazer barulho com alguns instrumentos.

Lá pelas tantas, uma das mulheres na sala começou a colocar as flores e folhas, oferecidas à deusa, nas mãos de todos. Após repetir as incompreensíveis palavras do Pandit, com as mãos em oração, todos jogamos as pétalas em direção a imagem. Então, erguíamos as mãos para cima e outra mulher borrifava água em nossa direção. Repetimos este gesto três vezes. Depois, o Pandit acendeu uma chama, em frente a deusa, sobre a qual deveríamos colocar a mão e fazer um estranho gesto sobre nossas cabeças.

Quando eu achei que tudo estava terminado, sentei no lado de fora da sala para calçar novamente meus tênis e uma terceira mulher veio em minha direção com um pote de barro que continha um líquido branco com algumas coisas, que não consegui definir o que eram, flutuando no topo. Estendi a mão, certa de que ela ia borrifar o líquido novamente, mas ela fez um sinal para que eu abrisse a boca. Hesitei por um momento, mas ela insistiu e eu acabei abrindo a boca, fechando os olhos e engolindo aquilo sem nem pensar no que poderia haver ali dentro.

As crianças estavam todas enfeitadas para a Puja e, quando viram minha máquina fotográfica, tentando registrar todos os momentos daquele ritual, começaram a me pedir para tirar fotos delas. E lá se foram quase todos os dois gigas do meu cartão de memória! Mas tudo bem, porque eu estava extremamente feliz de estar ali e poder vivenciar um tradicional festival indiano.

Saímos da sala das crianças e fomos, com os pequenos netos do presidente da ONG, conhecer o luxuoso e imponente templo que fica no pátio. Mas como nem tudo é alegria e diversão, logo voltamos ao escritório para trabalhar no projeto da Lua.

No fim da tarde, retornamos ao apartamento, onde descobrimos que a internet não estava funcionando. Ótimo! Então, decidimos ver um filme, mas logo na metade, a eletricidade se foi. De novo.

Esperamos o pessoal da AIESEC ir até o apartamento para resolver algumas questões com o senhorio e depois fomos até o campus tentar resolver o problema da internet no apartamento, que não estava mais funcionando. Problema não resolvido, como de costume, saímos, a Lua, a Sandra, o Felipe e eu para o restaurante chamado Little Sisters. Finalmente, consegui encontrar uma comida não apimentada! Morrendo de medo e de fome, pedi, às escuras, o Chicken Tikka e o arroz com vegetais. Para a minha surpresa, a comida estava ótima e eu não senti o gosto do chilli nenhuma vez!

Voltamos para o apartamento para esperar a chinesa que viria morar conosco. A coitada chegou à uma hora da madrugada, cansada, perdida e sem saber o que veio fazer aqui. Ela não lembrava o código de segurança da mala e ficou quase uma hora tentando abri-la. Cansada, ela perguntou se conseguiríamos arrombar a mala. Peguei uma faca e rompi o lacre em poucas tentativas. Ou seja, ainda estou desenvolvendo habilidades criminais aqui!

A Lua teve de dividir a cama com a chinesa, de nome Isis, porque ela não trouxe nem lençóis, nem cobertor, nem nada e a noite estava muito fria, como de costume.

Antes de dormir, olhando as frustradas tentativas de Isis em abrir a mala, Sandra me olhou e disse, em espanhol: “e quando a gente acha que está no fundo do poço...”. Concordei com a cabeça no meio da frase, porque sabia onde ela queria chegar. Todos os dias vemos gente em situações cada vez piores por aqui.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Namastê!

Domingo, 17/01

Acordei com todos os sintomas característicos de uma gripe: febre, dor no corpo, fraqueza, dor de cabeça e de garganta (hoje já estou muito melhor!).
Como os outros membros do projeto da Sandra haviam marcado uma reunião no domingo (esse pessoal da tecnologia é igual no mundo todo, só muda de país!), passei o dia e a noite no apartamento, lendo e aproveitando um pouco o silêncio e a solidão.

À noite, Sandra e eu conseguimos a proeza de encomendar batatas fritas para jantar. A gente estava morrendo de fome e o cara demorou quase duas horas para entregar a comida, que não tinha um aspecto muito gostoso. Mas, quando a gente está morrendo de fome e não tem opção, qualquer porcaria é válida! Tentamos ver um filme novo, que o Felipe havia nos passado, mas pegamos no sono e não conseguimos assistir até o final.

Segunda-feira, 18/01

Hoje eu estava louca para ir trabalhar e ocupar a minha mente ociosa, mas todos os estabelecimentos estavam fechados. O motivo? Um antigo chefe de Estado de West Bengal faleceu na noite de domingo e todos estavam de luto. Então, este foi o dia de apresentar à Sandra o incrível campus de Kharagpur! Passamos o dia todo entre a biblioteca e os “pontos seguros” para comer alguma coisa por aqui.

O ponto alto da segunda-feira foi durante o anoitecer, quando precisei comprar absorventes no pequeno mercado de Kharagpur. Por muita sorte, só a pequena e suja farmácia estava aberta, então corri para lá. O atendente baixou a cabeça e não olhou mais para mim depois que eu usei a palavra “absorvente”. Então, eu apontava para o pacote retangular azul, enquanto ele tentava, sem olhar, alcançá-lo na estante com a mão. Ainda sem me olhar fez um gesto indicando trinta rúpias, mas eu precisava de dois pacotes! Lá fomos nós de novo. Ele sem me olhar e eu, indignada, catando sessenta rúpias na bolsa.

Terça-feira, 19/01

Mais um dia estava eu, pronta para ir para a ONG, quando eles nos ligaram e disseram que não poderíamos ir trabalhar naquele dia (!) e não quiseram ao menos explicar por quê.

Entediadas, Lua e eu decidimos ir sozinhas ao grande shopping de Kharagpur, mais conhecido como Big Bazaar ou Puja Mall, para comprar algumas coisas que estávamos precisando, como comida, por exemplo.

Sozinhas, e sem fazer perguntas a ninguém, pegamos o autorickshaw e, com mais sorte que juízo, conseguimos chegar sãs e salvas ao nosso destino. Claro que o shopping aqui na cidade é um projeto de centro comercial, mas encontrei a mochila que estava precisando para viajar e adquirimos pacotes de miojo, água e bolachas.

Aproveitamos o restaurante de comida chinesa do local para almoçarmos, às 16h30min, e saímos de lá, andando até um bonito templo próximo, que havia nos chamado a atenção no caminho, para visitar o local. Não distinguimos quais os Deuses eram mencionados ali, mas notamos que Lord Ganesha estava bem no centro do hall principal, de costas para a entrada e encarando o altar dos outros deuses, todos enfeitados com enormes colares de flores laranjas e amarelas. Infelizmente, não é permitido tirar fotos dentro destes lugares religiosos.

Ainda sozinhas e já escurecendo lá fora, decidimos que era hora de voltar para casa. Pegamos um autorickshaw até a estação de trem e, de lá, pegamos outro até o apartamento. Esta segunda viagem foi a experiência mais indiana que tive até agora. Na carroceria lotada, fui semi-sentada em um banco, de frente para a Lua, carregando três sacolas de compras, com metade do corpo para fora do veículo e me segurando em uma barra de ferro. Cada vez que o motorista fazia uma conversão à direita, a impressão que eu tinha é que ia voar alguns metros para fora do “veículo”. À frente do IIT, algumas pessoas desceram deixando mais espaço para que eu pudesse me acomodar decentemente.

Depois de um banho, fomos ao campus a fim de tomar um café e esperar pela Sandra, que havia passado o dia envolvida com seu projeto. Avistamos umas meninas muito feias, vestidas em sarees festivos, e logo descobrimos se tratar de meninos. Pensando que havia visto meu primeiro travesti indiano, descobri que era apenas uma gincana entre as casas de residência dos estudantes e que, nesta prova, meninos se fantasiavam de meninas e vice-versa para arrecadar pontos para suas equipes. Are baba!

Este fim de semana, nós tínhamos planos para ir visitar Sikkhim e ver um pouco dos montes cobertos de neve que caracterizam este estado, mas não poderemos seguir viagem porque eles não permitem que estrangeiros entrem em vários lugares do estado, que faz fronteira com a China. Decepcionada com mais esta frustração, fui dormir pensando no que poderemos fazer para sair de Kharagpur esse fim de semana.

Um dos lados mais positivos de se estar aqui é aprender que, não importa o quão frustrado você vai ficar. É necessário sempre ter paciência, contar até dez e encontrar outra alternativa.

PS: mãe, já tô sem febre, sem dor de cabeça e com muito mais disposição!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Saudade... já nem sei se é a palavra certa para usar!"

Quarta-feira, 13/01

Em Kharagpur há uma semana e um dia agora, tive oportunidade de ir conhecer a ONG que a Lua trabalha e também começar um trabalho por lá. O carro da ONG chegou perto das 11h da manhã para nos pegar em casa e, desde então, comecei a estranhar. O carro é uma camionete preta enorme, de marca nacional, e de muito boa qualidade.

Seguimos até lá e o prédio é grande e relativamente bonito - comparando com o contexto em que está inserido - mas quando fui visitar as crianças nas salas de aula, não pude nem pude tirar fotos, porque não tinha luz onde elas estavam! Nos dois andares acima da sala de administração da ONG, mora o presidente da organização em uma casa de luxo com todos seus familiares: esposa, filhas, genros, netos... Estranho, né? Corrupção tem no mundo todo!

Saímos, perto do meio dia para ir até o prédio local do governo, onde há seções de diversos ministérios. Fomos até a pessoa que controla o departamento de projetos e trabalhos das ONGs no Estado e, para a minha surpresa, era uma mulher! Ela tinha o semblante bem fechado e parecia ser uma pessoa muito séria. Acredito que ela precise ser assim, uma vez que é uma das únicas mulheres lá e há poucas delas em cargos deste escalão.

Voltamos para a ONG perto das 15h, depois de conhecermos o trabalho burocrático que é feito junto ao Governo. Quando chegamos à sede da ONG, as pequenas netas do presidente nos convidaram para conhecer a sua casa. Subimos e ficamos deslumbradas com a quantidade de cômodos, móveis, pinturas, tapetes e pessoas que viviam ali. As simpáticas mulheres da casa nos ofereceram comida, mas estávamos atrasadas e saímos dali correndo para chegar ao IIT, porque eu teria um seminário às 17h.

O pessoal da ONG explicou que durante a quinta e a sexta-feira aconteceria um festival local, então não precisaríamos trabalhar. Boa notícia para a Lua, que correria para Calcutá logo na manhã do dia seguinte, mas má notícia para mim, que ficaria sozinha nos próximos dias, em Kharagpur, já que precisaria trabalhar no sábado. Yay.

Chegamos ao campus e comemos nosso seguro (e gorduroso!) egg roll, fomos até a biblioteca responder e-mails e seguimos para o meu local de apresentação.

Os alunos estavam atrasados e, quando decidi ir embora, chateada e frustrada novamente com o meu trabalho, eles estavam chegando. Avisaram que a aula em que estavam havia atrasado. Um pouco mais animada, comecei, então, a apresentação, que durou cerca de 45 minutos. Eles pareciam bastante interessados e, inclusive, fizeram perguntas e participaram no final!

Saímos da apresentação, minha fiel amiga Lua e eu, e fomos encontrar o Felipe e um pessoal da AIESEC para uma happy hour fora do campus. Fomos a um restaurante, onde as únicas mulheres éramos nós, comemos batatas fritas e tomamos um pouco de cerveja. Senti-me em casa! É bom ter estas descontrações de vez em quando para que o tempo passe mais rápido... O Felipe encontrou um alemão que vive no dormitório onde ele mora, no campus, e convidou-o a juntar-se a nós. Outro “branquelo” para chamar atenção por aí!

Lembro-me que, em alguma parte da noite, estávamos conversando sobre idiomas e o Felipe me perguntou o que era, afinal, “saudade”. “Saudade?” - perguntei. Ele respondeu que havia lido a palavra em algum lugar e soubera que só existia no Brasil. É difícil explicar saudade. Tentei, com toda a minha modesta capacidade intelectual, elucidar o que significa saudade, mas tive de exemplificar: “Saudades, por exemplo, é o que sinto hoje. Eu sinto saudades do meu país, minha família, meu namorado. Acho que, resumidamente, saudade é o ato de sentir muita falta de alguém ou alguma coisa”. Tá bem. Mas e porque dizer saudade? Por que não dizemos só “sinto sua falta” ou “sinto falta disso” como o resto do mundo? Acredito que nós, brasileiros, nos sentimos tão bem em nosso país, em nossa casa, que não bastaria dizer que se sente falta do lar. Agora, saudades é uma palavra que carrega um significado muito mais amplo, muito mais cheio de sentimento do que um acanhado “sinto sua falta”. O que vocês acham? Alguém aqui sabe me explicar de onde veio esta palavra?

Cheguei ao apartamento quase à meia-noite e fui direto para a cama. Continuei pensando sobre as saudades... Eu sinto saudades de todo mundo o tempo todo! Mas por que é tão difícil de explicar aos outros o que esta pequenina palavra representa?

Quinta-feira, 14/01

Hoje não tinha de trabalhar. Estava louca de vontade de dormir o dia todo, para esperar o tempo passar, mas meus queridos pais me ligaram, preocupados, às 7h da manhã! Ainda no transe do sono, conversei com eles e voltei a dormir. Às 8h30min, a faxineira começou a bater na porta e a Lua levantou para abrir. Como de costume, fez sua breve limpeza e foi embora. Estava quase pegando no sono novamente, quando o celular da Lua despertou. Eram 10h e ela iria começar a se ajeitar para pegar o trem. Ficou fazendo barulho e eu tentando dormir novamente.

Quando ela foi embora, pelas 11h, peguei de novo no sono e só levantei às 16h! Queria tomar um banho, mas não havia luz desde a madrugada. Saí para o campus, direto para a biblioteca acessar a internet, e fui ao novo café, comer o seguro Chicken Burger. Às 20h, compareci a uma reunião da AIESEC local com os novos membros, voltei ao café com o pessoal daqui e eles me trouxeram até em casa, onde tomei meu banho e espero o tempo passar, sozinha.

Amanhã, vamos saber se conseguiremos nos mudar para o campus!

Sexta-feira, 15/01

Hoje, como a ONG não iria funcionar e meu projeto só se daria no sábado (pois o professor está viajando) e a casa estava vazia, tirei o dia para dormir (de novo). É muito complicado dormir continuamente aqui, pois todo mundo faz barulho por todos os lados o tempo todo! A faxineira chegou às 8h30min, fez sua habitual limpeza enquanto eu arrumava algumas coisas, e foi embora logo em seguida.

Dormi de novo até perto das 10h, quando acordei meio enjoada. Acho que minha má alimentação e preguiça de carregar as enormes garrafas d’água estão começando a meu prejudicar por aqui.

Tomei um dos shakes de proteínas da Lua, um soro reidratante e continuei lendo meu muito útil livro. Shihir me ligou para dizer que havia um quarto no campus e que eles viriam me buscar às 17h para eu me mudar.

Coloquei todas as minhas coisas de volta na mala e passei o dia esperando. Faceira que estava, cheguei ao campus com minhas duas malas em um pequeno Rickshaw e o quarto era ótimo! Tinha até chuveiro de água quente! Desconfiei.

Meia hora mais tarde, o Shishir aparece no quarto e disse que havia tido um engano e que eu teria de voltar para o flat no próximo dia para esperar a Sandra, a menina mexicana que estava chegando. Por que me fizeram ir até o campus, com todas as minhas coisas, para voltar pro flat no dia seguinte?

Cansada de tantas frustrações com o projeto e com essa desorganização deles, comecei a chorar e só consegui parar perto das 21h, quando trouxeram o presidente do comitê local da AIESEC para me prometer que os problemas da água e da eletricidade no flat seriam resolvidos, bem como conversariam com o professor sobre o jeito que ele está lidando com o meu projeto. Ótimo!

Naquela noite o pessoal saiu para tomar uma cerveja, mas eu não fui junto, pois estava sem vontade de nada. Inclusive de escrever sobre tudo isso.

Sábado, 16/01


No sábado pela manhã tinha duas apresentações sobre HIV/AIDS, que começavam às 9h30min. Deixei tudo pronto para voltar para o apartamento medonho e segui a pé para o local dos seminários. Cheguei em cima da hora e já tinham mais de 50 alunos esperando por mim. Fiquei animada, pois parece que eles estão começando a dar um pouco mais de valor ao meu projeto.

Os dois grupos também responderam bem às minhas apresentações e, antes do meio dia, já estava indo embora. Um professor do centro me perguntou se eu não queria comer alguma coisa ali. Receada que sou com a comida daqui, disse que não, mas ele insistiu. Fomos até a cozinha, onde ele disse algo em híndi ao capataz que cuida das máquinas e este abriu um armário, retirou um embrulho de jornal, abriu-o e me mostrou alguns pastéis – pelo menos pareciam pastéis. Eu insisti que não estava com fome, mas o capataz pegou (sim, com a mão imunda) o pastel e colocou em um pratinho. Inventei uma desculpa e saí correndo dali! Parei para comer na cafeteria usual e fui para o quarto pegar minhas coisas.

Voltei para o flat e passei a tarde organizando as minhas coisas enquanto esperava por Sandra, a mexicana. Ela chegou às 17h30min, já estava escuro e não tínhamos eletricidade. Só largou suas coisas no chão do quarto e fomos ao campus comer.

Compramos alguns Cup Noodles salvadores, uns quatro litros de água mineral e fomos ao seguro café, onde encontramos algum pessoal da AIESEC e o Felipe. Comemos, conversamos um pouco e retornamos, junto com o Felipe, ao flat. Sandra ficou ajeitando suas coisas e conversamos em espanhol. Tão bom não falar inglês por algum tempo! Querida que é, ela trouxe duas garrafas de tequila para dividirmos quando as saudades de casa e as frustrações tomarem conta de nossos pensamentos. Como ela e o Felipe ficam aqui até maio (e vocês falando que eu sou corajosa...), a bebida precisa durar até lá!

Quando a cama dela chegou, perto das 10h, Felipe aproveitou para ir embora e nós nos ajeitamos para dormir, já que ela estava muito cansada dos quase dois dias de viagem ininterrupta. Como eu entendo o que ela passou, resolvi ser solidária, apagar a luz e também me deitar antes das 23h.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Estou aqui há uma semana agora... mas parece um mês!

Hoje acordei muito cedo. Ao invés de vir às 8h30min, como combinamos, a faxineira chegou ao apartamento às 7h10min! Desci as escadas, abri a porta para ela, entreguei-a uma sacola com minhas roupas sujas e voltei a me deitar. Ela entrou no quarto atrás de mim, os pés descalços como sempre, e o corpo miúdo entre uma infinidade de sáris vermelhos e laranjas. Agachou-se e, com a rapidez que lhe é característica, limpou o quarto. Saiu, ainda acocorada para o outro ambiente, onde estendemos um varal, e continuou a limpar o chão. Lavou a (pouca) louça suja, limpou o banheiro e começou a lavar a roupa. Cerca de vinte minutos depois de chegar, pediu-me para ir com ela abrir a porta.

Voltei para o quarto, para tentar dormir, e a gritaria habitual do senhorio e seus familiares tomou conta do quarto. Quando estava quase pegando no sono novamente, um sotaque estranho começou a gritar meu nome. Era a esposa do senhorio, que vive sentada na sacada tentando olhar prá dentro do nosso quarto. Ela queria, com seu inglês quase incompreensível, me avisar que eu deveria desligar a bomba d’água que a faxineira havia ligado mais cedo. Muito a contragosto, desci novamente, desliguei e voltei a dormir. Acordei de novo às 11h, hora que a Lua iria para o trabalho e tomei um banho. Já que trabalharia até a noite, não precisei trabalhar pela manhã.

Fui até o campus e almocei uma panqueca de legumes com ovo, quase sem pimenta! É o que chamamos de “safety food”, ou “comida segura” para nós, estrangeiros. Ainda assim, não conseguia olhar para a cozinha, senão, com certeza não comeria ali. Mas, como aqui todos os lugares são parecidos, tive de ignorar. Para explicar a cozinha do restaurante (a céu aberto): é de chão batido, com três homens de regatas brancas muito sujas fritando coisas e cuspindo no chão (mania comum aqui) atrás de um balcão de cimento. Mas prefiro não entrar neste assunto.

À uma e meia da tarde fui até a biblioteca mudar algumas coisas na minha apresentação, que hoje seria às 17h. Fiquei ali até as 16h30min, quando Rahul veio me ajudar a pegar um Rickshaw até o lugar da minha apresentação.

Cheguei sozinha ao lugar da minha apresentação e esperei lá. O professor Mahapatra, responsável pelo meu projeto, não poderia comparecer, o retro-projetor não funcionou, os alunos começaram a inventar desculpas para ir embora e eu só queria sair dali. Como o projetor não funcionou, o professor responsável pela turma pediu que eu contasse algumas coisas sobre o Brasil. Falei um pouco das maravilhas brasileiras (o que eles queriam ouvir) e fui embora dali.

Voltei à biblioteca, onde Lua me esperava, muito chateada e frustrada. Então, Shishir (da Aiesec daqui) veio nos encontrar para nos levar à nova cafeteria do campus e me disse que o professor Mahapatra queria que eu fizesse uma apresentação na faculdade de homeopatia da região! Fiquei animada novamente e fomos tomar um café.

A nova cafeteria é uma franquia chamada “Café Coffee Day” e parece muito limpa. Comi um sanduíche de frango, que parecia ser seguro e tomei um milk-shake de morango (agora tem Milk-shake no campus! É só pensar positivo e as coisas se ajeitam, já diria “Padre” Lauro Trevisan).

Fui com o Felipe até o Hall onde ele mora a fim de pegar uns filmes que ele havia baixado para fazer o tempo passar mais rápido aqui no fim de semana, já que vou estar sozinha, e ele quis me apresentar ao presidente do Hall. Como ele mora em uma “Guest House”, lá vivem homens e mulheres. Conversamos com o presidente e ele disse que havia quartos disponíveis ali e me deu dois formulários para preenchermos e tentarmos uma vaga. Assim, não ficaríamos tão afastadas do campus! Saí correndo para encontrar a Lua na cafeteria de novo e mostrar os formulários. Preenchemos na hora e entregamos ao Shishir para ele pegar a assinatura de um professor e encaminhar os trâmites. Vamos pensar positivo, ok?! Todos nós! Eu quero sair dessa casa logo, porque a água é meio suja e temos que caminhar muito para chegar ao trabalho no campus.

Voltamos para casa empolgadas e otimistas, tomei um banho e fui dormir escutando os Beatles. Amanhã, vou conseguir (finalmente) começar a ir ajudar na ONG que a Lua trabalha, como eu havia comentado em um post anterior.

Tentei dormir cedo para não pensar na comemoração que iria perder e na tristeza que isso me traria. Mas, tudo bem, porque ainda teremos muitos motivos para comemorar quando eu voltar... certo?!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Entre Calcutá e Kharagpur

Domingo, 10/01

O tempo passa muito devagar quando a gente está em Kharagpur, sem nada para fazer. Ironicamente, acontece o contrário quando estamos em Calcutá, já que falta tempo para vermos tudo o que queremos ver nessa enorme cidade. Domingo, a Lua e eu saímos de manhã pelos arredores da casa do Mallick para ver um pouco das ruas e tentar comprar créditos para os nossos celulares indianos. Não conseguimos, pois a maioria das lojas estava fechada. Então, entramos em uma padaria muito bonitinha e compramos uns docinhos de café-da-manhã.

Logo em seguida, saímos para o Victoria Memorial, um palácio exuberante, construído para a Rainha Victória, da Índia (na verdade, ela era da Inglaterra) pelos anos 1.800. É um lugar lindo, com jardins enormes e alguns lagos artificiais, além do próprio palácio, todo em mármore branco. Logo na entrada, várias pessoas começaram a me olhar com curiosidade e o Mallick me explicou que era gente do interior, que não era acostumada a ver pessoas brancas como eu. “Tudo bem”, pensei, “desde que fiquem só olhando”.

Então, elas começaram a se aproximar e falar híndi. Queriam que eu tirasse fotos com elas apertando suas mãos! “De jeito nenhum!” - eu disse – E eu lá sou chefe de Estado prá tirar fotos apertando a mão das pessoas? Mas, me parece, que, por aqui, ninguém entende o que quer dizer não. Tirei a foto com os três homens que me abordaram e, quando eu vi, tinha uma fila de pessoas, homens, mulheres e crianças, para tirar foto comigo! Se ficássemos ali, não daria tempo de ver tudo o que tínhamos planejado para o dia. Então, Mallick gentilmente os dispensou e seguimos nosso caminho até o palácio.

Lá dentro, há um museu com toda a história de Calcuttá, estátuas, pinturas, vestimentas de reis e rainhas, manuscritos mais antigos que o Brasil e muitas outras coisas interessantes. Contudo, é estritamente proibido tirar fotos lá dentro! Obediente que sou, deixei a câmera sem o flash e comecei a tirar fotos escondida dos guardas. Tudo ia bem, até o segundo andar, quando um cara veio na minha direção gritando em híndi, enquanto eu tentava tirar uma foto do enorme quadro com a pintura de Gandhi. Vocês acreditam que ele estava disfarçado, no meio da multidão de gente? Começou a gritar e a puxar a câmera da minha mão. Puxei a câmera de volta com toda a minha força e apaguei as fotos na frente dele, mas ele insistia em puxar a câmera de volta. Estava uma gritaria ao meu redor, um bolor de gente e joguei a câmera dentro da bolsa e agarrei-a com força. A gritaria cessou e todos se dispersaram, inclusive o guarda. Perguntei ao Mallick o que havia acontecido. Ele disse que o guarda queria tomar a minha câmera para pegar o cartão de memória, mas as pessoas começaram a mostrar seus celulares dizendo que também estavam tirando fotos escondidas e que iriam deletá-las, mas que ele não me levasse nada. Fiquei cismada. Por que fizeram isso por mim? Se eu estivesse no Louvre, em Paris, os europeus teriam a mesma atitude? Se isso acontecesse no Brasil, eu teria reagido assim para defender um estrangeiro que eu nem sei quem é?

Saímos do Victoria Memorial, passeamos um pouco pelos jardins, e fomos comprar ingressos para irmos ao circo à noite. Com os ingressos adquiridos, paramos em um restaurante para jantar (às 17h30min), pois não havíamos feito nenhuma outra refeição durante o dia. Mallick pediu o que achou ser mais seguro para nossos estômagos estrangeiros e acabamos comendo frango, carne de cordeiro, um pão não-fermentado e arroz. Claro, que nenhuma refeição aqui é perfeita. Na minha primeira garfada de arroz, a queimação já habitual do chilli. Ótimo.

Terminamos de comer e fomos ao circo. Eu pensei que ia ser super legal e diferente, mas é bem parecido com os circos brasileiros, na verdade. Os truques são um pouco fracos e a atração principal, além dos coitados dos animais, velhos e com aparência maltratada, é a acrobacia de três meninas orientais muito boas.

Saímos do circo por volta das 21h e fomos a uma cafeteria, de franquia internacional, chamada Barista. É um ambiente muito legal e (parece ser) bem limpo. Ao invés de tomar um café, me dei o luxo de tomar um milk-shake com sabor de café e chocolate coroado por uma bola de sorvete. Tão bom quanto parece!

Voltamos à casa do Mallick pelas 23h, tomei um banho, e acessei a internet. Fui dormir só pelas 4h da manhã, quase não querendo voltar para Kharagpur, onde não tem internet, circo ou milk-shake.

Segunda-feira, 11/01

Acordei cansada hoje. O quarto onde durmo, quando estamos na casa do Mallick, é muito claro e cercado de vizinhos gritões que possuem animais incontroláveis. Porém, todos aqui parecem ser acostumados a esse tipo de barulho.

Quando me levantei, já era quase 10h e o Mallick estava fazendo nosso café da manhã. No prato, tinha ovos mexidos com legumes, ovo frito, dois pedaços de pão e geléia de frutas. Tudo muito saudável! Mas é porque aqui eles tomam um café assim, reforçado, às 10h e almoçam entre 14h e 15h.

Comi só um pouquinho, porque ninguém levanta da cama e consegue digerir aquilo tudo. E, para a minha alegria, logo descobri que dentro do pão havia vários pedacinhos de pimenta-do-reino!

Saímos, Lua e eu, às 12h30min para pegarmos os trem das 14h na estação de Calcutá. Desta vez, não tivemos problemas para encontrar o trem e o nosso vagão, mas o motorista do táxi, que nos levou até lá, fez uma volta enorme antes de chegar à estação porque viu que éramos estrangeiras e não sabíamos o caminho que deveríamos tomar. Tentei discutir com ele no final da corrida, mas a Lua pediu que eu deixasse para lá e não nos colocasse em confusão. Também achei melhor assim.

Assim que sentamos no nosso banco, chegaram as outras pessoas que dividiriam o compartimento conosco. Uma família de indianos com uma criança pequena. A viagem foi menos longa do que esperávamos e chegamos à estação de Kharagpur cerca de quinze minutos antes do previsto. O único motivo de eu não gostar dos trens aqui é que sempre tem gente mendigando nos vagões. E não são poucas pessoas. Passam cerca de dez mendigos por viagem, sejam crianças, idosos ou mulheres. E, se eles vêem que você deu qualquer dinheiro prá um deles, todos os outros vão até você com a mão estendida.

Eu me esqueci de contar que, na minha ida à Calcutá, no sábado, um menino de cerca de oito anos estava pedindo dinheiro. Com um pedaço de madeira na mão, ele flagelava as próprias costas, pescoço, pernas e braços e saía com a mão estendida. Ele parou na minha frente e ficou dando pauladas em seu pescoço. Até que eu, que só queria que ele parasse com aquilo, tive de dar algumas rúpias prá ele.

Voltando ao dia de hoje, chegamos na estação de Kharagpur e pegamos um táxi até o apartamento. Cheguei, louca de vontade de tomar banho, por causa da poeira no trem, mas a água estava muito suja novamente. Liguei para o Rahul e ele me disse para abrir todas as torneiras até acabar a água, ligar o motor do tanque que abastece a casa e esperar para que a água suja fosse substituída.

Esperei até umas 20h30min para que a água estivesse própria para o banho. Enquanto esperava, li um pouco do livro que tenho comigo (A arte da Felicidade) e fiz algumas reflexões sozinha, enquanto a Lua dormia.

Frustrada com o problema corriqueiro da água no apartamento e chateada por não poder ver meu querido namorado colar grau esta semana (depois de quatro anos de ajudas mútuas em nossas faculdades), pensei bastante sobre o fato de estar aqui, e cheguei a uma conclusão: se eu estou onde estou hoje, é porque fiz escolhas. Por um motivo ou outro, eu quis estar aqui. Agora eu tenho mais uma escolha pela frente. Eu sei que vou me adaptar, porque é natural do ser humano se adaptar ao meio em que se insere. Contudo, eu tenho o poder de escolher se vou facilitar ou dificultar essa adaptação. Na hora, me dei conta que ainda não havia desfeito a minha mala. Levantei da cama, tirei todos os meus pertences para fora, organizei-os novamente na mala de modo a ficarem mais acessíveis para o dia-a-dia e coloquei algumas coisas nas prateleiras. Agora sim, esse lugar parece com um quarto!

Um pouco mais satisfeita, tomei meu banho, comi um Cup Noodles (vegetais apimentados!) e uma bergamota. Agora vou terminar este texto, secar meus cabelos, ligar para a família e ir dormir. Continuo um pouco chateada pela formatura que vou perder, mas fazer o que? Eu escolhi estar aqui e eu não escolheria fazer uma loucura dessas se eu não tivesse certeza que isso vai ser positivo na minha vida e, tomara, na vida de algumas pessoas por aqui.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O trabalho (realmente) compensa

Sábado, 09/01

Hoje pela manhã, fiz meu primeiro seminário sobre HIV/AIDS aqui. Às 9h30min, ainda meio apavorada, comecei a falar para cerca de 40 alunos em uma sala de aula apertada. O começo foi meio nervoso, porque eu não entendia se eles estavam mais curiosos com o assunto ou com a minha pessoa.

Havia preparado uma atividade com perguntas para eles responderem e comecei a jogar balas para os que acertavam. Durante as respostas, eles começaram a gritar e participar de um jeito que eu não esperava e, no fim, esperaram para me fazer perguntas (sobre HIV!). Foi muito mais interessante e recompensador do que eu pensei que seria e eu saí de lá muito feliz de estar aqui, pela primeira vez desde que cheguei. Saí de lá sentindo que fiz uma pequena diferença no mundo.

Saímos da sala, o meu fiel escudeiro Rahul e eu, e fomos para a sala do professor responsável pelo projeto. Ele queria dizer (do jeito introspectivo e sem muitos sorrisos dele) que tinha gostado muito do meu trabalho e que já havia marcado mais alguns seminários para essa semana - inclusive, dois no sábado que vem, estragando possíveis planos de viagem.

Dali, fomos encontrar o Felipe (intercambista chileno) nos arredores da biblioteca. Pegamos um Auto Ricksha(que é, na verdade, uma carroça motorizada) e fomos até a estação para pegar o trem para Calcutá. Felipe e eu compramos bilhetes para o trem das 13h30min e esperamos até às 15h, quando o trem finalmente chegou (até então, até a alça da minha mochila tinha arrebentado). Embora a India tenha sido colonizada pela Inglaterra, a pontualidade britanica ficou, mesmo, lá nos arredores de Londres.

Vimos que o trem estava lotado e pagamos um pouco a mais para irmos nos compartimentos com "camas", que, na verdade, não são camas, pois as pessoas devem sentar para que todo mundo se acomode. Demoramos, ainda, três horas para chegar a Calcutá, porque o trem parou em várias estações antes. Quando chegamos, já estava escuro e eu ia para a casa do Mallick e o Felipe para a casa dos intercambistas da AIESEC aqui. Pela primeira vez, desde que cheguei, eu estava sozinha.

Peguei um táxi pré-pago e, torcendo para que a bateria do celular não morresse no meio da ligação, liguei para o Mallick para ele explicar ao taxista onde era sua casa. Tive sorte, pois a bateria terminou na hora em que o motorista entendeu aonde eu queria chegar.

Cheguei sã e salva ao meu destino, meia hora depois, apavorada com a caoticidade do trânsito em Calcutá. Não tem sinalização, faixa de pedestre, divisórias nas ruas e a mão é inglesa. Todo mundo vai buzinando e se atravessando, sem seus espelhos retrovisores, diga-se de passagem. No caminho, já vi onde queria jantar: Mcdonalds!

Já em casa, tomei um banho, de balde claro, com um pensamento engraçado: quando cheguei aqui, meu primeiro choque cultural foi ter de tomar banho com um balde, o que me deixou frustrada e apavorada. Hoje, eu estava muito feliz por ter água limpa e quente para tomar banho, mesmo que fosse no balde mesmo.

Saímos para jantar, o Mallick, a Lua e eu, por volta de 21h. Fomos ao Mcdonalds, onde eu queria ir desesperadamente, e eu pedi McChicken, McNuggets, batata frita e coca-cola (nem no Mc tem carne bovina por aqui). Estava tão feliz em comer alguma coisa ocidental e sem pimenta, que comi super rápido e sem dizer uma palavra! Saímos de lá e fomos a um bar, em um hotel super chique. Tomamos umas cervejas e comemos algumas frutas (sim, eles servem frutas nos bares). As músicas que estavam tocando eram boas, a maioria era norte-americana. Tocou de Rolling Stones a Madonna, até que, de repente, pensei: "opa, mas esse ritmo é familiar!"

Inacreditavelmente, uma voz conhecida entoa uma letra mais ou menos assim: “Chooooooooorando se foi, quem um dia só me fez chorar!”. O bar estava quase vazio, e as pessoas que ali estavam levantaram-se e foram dançar. Parece-me que esta é uma música muito popular aqui! Quem diria.

Fui ao banheiro do bar, no hotel luxuoso, e era limpo como eu nunca vi por aqui! Acho que fiquei mais tempo lá dentro do que no bar, feliz só de ver um banheiro cheiroso e limpinho daquela maneira.

Voltei para a nossa mesa, a fim de comer mais algumas frutas, e o Mallick e a Lua estavam dançando, no meio da pista, uma música norte-americana que agora eu não lembro o nome. Lembram como os indianos dançavam em “Caminho das Índias”? Poisé. Na realidade, é mil vezes pior e mais escandaloso. Ele estava tentando ensinar para ela alguns movimentos ligeiros e saltitantes e eu passei reto, tentando me esconder, mas, lerda como sou, eles me convidaram para ir dançar com eles. Fiz um sinal tentando dizer que não me sentia bem, sentei e fiquei bem encolhida na nossa mesa.

Saímos cedo do bar, pela uma da manhã e voltamos para casa, onde, finalmente, acessei a internet de novo e consegui por os assuntos em dia com a família e o namorido.

Dia de luxo: internet e batata frita

Sexta-feira, 08/01

Hoje, a faxineira veio às 08h30min, como havíamos combinado. Ela limpou toda a casa e ficamos na cola dela, explicando como limpar o banheiro. Ela lavou nossas roupas, nossos novos utensílios para a cozinha que não temos e foi embora em cerca de meia hora. Comi uns cookies de café da manhã, porque, aqui, é melhor sempre comer comidas industrializadas.

Lua e eu nos ajeitamos para sair para a ONG, às 10h, mas eu recebi uma ligação do Rahul, da AIESEC, dizendo que teria que me preparar para as minhas primeiras apresentações no IIT na manhã deste sábado. Então, corri para a biblioteca, aonde cheguei perto das 11h30m. Respondi e-mails, scraps, postei fotos no Orkut, alimentei o blog, li as notícias brasileiras e fiz de tudo, menos aprontar a apresentação. Acho que estava com saudades de ter internet na minha vida!

Pelas 15h30min saí para entregar a chave do apartamento à Lua, porque ela estava passando muito mal e iria ver um médico em Calcutá. Fui com ela até nossa casa, e aproveitei para tomar um banho quente, de balde, claro. Pela primeira vez, eu tomo banho aqui e saio renovada! Vesti-me e seguimos para a biblioteca do campus, para eu terminar minha apresentação. Os meninos da AIESEC buscaram a Lua e levaram-na para a estação de trem.

Finalmente, entre Orkut e MSN, finalizei tudo que tenho que falar amanhã de manhã sobre o HIV/AIDS para duas turmas do primeiro ano da faculdade aqui no IIT.

Às 20h30m (ou 13h, no Brasil) tínhamos uma janta de confraternização da AIESEC com os novos trainees (nós) e os ex-vice-presidentes. E lá fomos, o Felipe (intercambista chileno), eu e os Aiesecos, para o tal de restaurante de comida chinesa de Kharagpur. Quando chegamos lá, eu me dei conta que o lugar violava umas vinte leis de vigilância sanitária no Brasil. Mas, tudo bem. Se eu não vi uma barata ou um rato, tudo bem. Deve ser seguro.

Comemos um frango com um molho estranho e uma massa com carne de porco. Até que estavam boas. Mas o auge da noite, para mim, foram as batatas fritas! Batata frita aqui é um luxo e tem que aproveitar.

Voltei para o apartamento, onde dormi sozinha, já que a Lua tinha ido para Calcutá consultar um médico mais cedo. Reli mais algumas vezes a apresentação, arrumei a mochila para viajar no outro dia e fui dormir.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Ainda me adaptando

Quinta-feira, 06 de janeiro

Acho que o final do post anterior foi meio (bastante) dramático. Ainda mais porque continuo sem internet, a não ser aqui, na biblioteca do campus. Mas acredito que amanhã conseguiremos o aparelho para ligar a internet.

É incrível como o tempo passa devagar aqui! Acredito que é porque eu não esteja fazendo nada ainda, mas amanhã, sexta, eu começo a trabalhar.

Hoje, a faxineira chegou às 6h30min da manhã para limpar (mal e porcamente) o apartamento. Não tínhamos nenhum instrumento de limpeza na casa e tivemos que pedir emprestado da vizinha. Ela subiu e começou a limpar, andando acocorada pelos cômodos. Eu nunca tinha visto alguém tão miúdo se mover tão rápido daquela maneira dentro de uma vastidão de sarees. Combinamos com a faxineira, através de um tradutor, que ela viria todos os dias às 8h30min.

Quando ela terminou de limpar o quarto, às 7h e alguns minutos, voltamos a dormir. A Lua pegou no sono muito rápido, mas eu demorei a dormir por causa da claridade do quarto e do barulho dos vizinhos gritando. Quando estava pegando no sono, às 10h30min, meu telefone indiano tocou e um menino da AIESEC me disse para estar às 11h30min que ele viria me buscar para eu conhecer o professor que coordena o projeto no qual eu vou trabalhar. Levantei correndo para tomar banho, mas os mecânicos estavam consertando o tanque para termos água, o que significava outro banho de lencinhos umedecidos para bebês. Ajeitei-me, acordei a Lua para ela ir junto ao campus, comi uma bergamota e esperamos o menino chegar.

O encontro com o professor foi um pouco estranho e frustrante (como tudo por aqui), especialmente porque ele falava um pouco de inglês misturado com hindu e não se dirigia a mim. Ele decidiu que eu trabalharia aos sábados e em alguns dias da semana, por isso, nos dias livres, trabalharia em uma ONG aqui perto do Instituto, com crianças doentes, que precisa muito de ajuda. Acredito que vai ser muito legal esta experiência inesperada, mas lutei contra o trabalho aos sábados, nos quais eu pretendia conhecer lugares e viajar.

Depois do encontro com o professor, fomos até a biblioteca acessar a internet, mas não tive tempo de ver e responder tudo, pois o tempo restante da bateria do notebook deu somente para postar minhas histórias neste blog. Precisávamos comprar algumas coisas no mercado, mas descobrimos que, aqui, o mercado abre pelas 9h, fecha às 13h e reabre de novo às 17h para fechar às 21h. Então, tomamos um café com muffin (safety food, como o Felipe, a Lua e eu chamamos comidas não-indianas) e nos perdemos pelo campus (literalmente). Vimos as várias casas e prédios que abrigam os professores, funcionários, alunos, salas de aula e laboratórios do Instituto. O campus aqui é imenso, é um dos maiores da Índia e tem várias ruas asfaltadas, onde passam milhares de alunos de bicicleta.

Lua e eu voltamos para casa a fim de tomar banho, mas a água estava saindo empoeirada da torneira. Achei que eu não ia saber lidar com outro dia sem banho, mas agüentei numa boa os lenços umedecidos e me ajeitei para irmos ao campus comprar materiais de limpeza e procurar nossos aparelhos da internet.

Além dos produtos de limpeza, compramos pão, queijo e facas (não achamos garfos para vender) para fazer nossa janta em casa, já que nós duas tememos a comida daqui. Também compramos mais Cup Noodles para refeições futuras.

Tomamos um café com o pessoal da AIESEC e aproveitei um tempo para conversar com o intercambista chileno e praticar o meu espanhol – que, convenhamos, está péssimo!

Lua e eu voltamos para casa pelas 20h30min e preparamos nossa janta: sanduíche de peixe. Isso mesmo, a Lua trouxe de casa uma comida típica do Vietnã: peixe desfiado e desidratado. E eu sei que parece péssimo, mas é muito bom! Acho que viver aqui está me deixando menos exigente.

Aliás, menos exigente que estou, enchi o balde de água fria, agora um pouco menos suja, fervi e tomei um banho antes de dormir.

Amanhã vou até a ONG conhecer o trabalho lá e ver como será o meu trabalho. Assim que der, posto mais novidades aqui. Quando conseguir minha internet móvel, eu coloco as fotos no Orkut, embora eu ache que ninguém vai acreditar que eu estou conseguindo viver aqui.

Fato estranho I: hoje, a esposa do senhorio perguntou de que país da Europa eu era. Eu disse que não era européia, mas brasileira. Ela respondeu "mas como? você parece uma boneca!". Eu agradeci e ri, mas ela fecou a cara. Talvez estivesse me tratando bem até então porque pensou que eu fosse italiana ou algo do gênero.

Fato estranho II: hoje eu me dei conta que eles só usam aqueles chinelos tipo Raider por aqui. Se está frio, usa com meia. Vi pouca gente de tênis até agora.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Arrastando o saree no mercado

Hoje, quarta-feira (6) foi um dia muito difícil. Acordei às 9h e estava louca para tomar um banho. Já que não havia um banheiro limpo aqui, meu banho de terça-feira foi feito com lenços umedecidos.

A faxineira não veio para limpar e eu estava me sentindo muito mal, porque aqui é tudo muito empoeirado e sujo. O querido e delicado Rahul, da AIESEC, veio nos buscar em casa para que fossemos ao mercado comprar o que estivesse nos faltando. O mercado fica dentro do campus e é uma espécie de aglomerado de lojinhas pequenas, feiras de frutas e vegetais e crianças mendigando, onde se encontra de tudo um pouco. Lá, compramos um balde para tomarmos banho (!), uma lixeira, veneno para mosquitos, pratos, copos, talheres, uma panela e uma bacia. Também comprei um celular e um chip daqui para fazer ligações mais baratas para o Brasil.

Mas o pior ainda estava por vir. Voltamos para casa e não havia água saindo das torneiras, na descarga do sanitário ou do chuveiro frio. O senhorio disse que a água devia voltar pela tarde. Então almocei uma bergamota (ainda não me arrisco com a comida daqui) e fui dormir mais um pouco, porque o trabalho ainda não começou.

Quando eu acordei, pelas 16h30min ainda não havia água, e era só no nosso prédio – onde moramos só nós duas.

Tentamos de tudo e a água não vinha. Eu me sentia tão frustrada com tudo que, instintivamente, deitei e comecei a chorar. A Lua, adaptada a situações como estas (ela chegou uma semana antes de mim), chamou o senhorio e todo mundo veio tentar fazer a água funcionar. Nada. Nem uma gota. Desesperada, eu comecei a chorar de novo porque estava suja, com fome e sem perspectiva de melhora.

A vizinha, uma menina de 17 anos, me chamou e disse que poderíamos tomar banho em sua casa. Lá fui eu, com meu balde rosa na mão, cheio com frascos de shampoo e condicionador, sabonete, desodorante e toalhas e minhas roupas limpas na mochila. Ela ferveu a água, colocou no banheiro e disse para eu demorar o quanto precisasse.

Já imaginou o que é lavar o cabelo em um balde? Nem eu. Tive que improvisar. Na dificuldade, abri o chuveiro, mesmo que estivesse fazendo 10ºC em Kharagpur e nem pensei duas vezes ao colocar a cabeça embaixo da água gelada. Terminei o banho, agradeci a menina e voltei para “casa”, no momento em que meu celular indiano resolveu começar a funcionar.

Liguei para o Brasil, sequei meus cabelos e saí com a Lua para comprar umas frutas no mercado. Isso já era 19h30m. Compramos frutas e encontramos um pessoal da AIESEC para tomar um café, então fomos para casa.

Ainda sem água, esquentamos água mineral, jantamos Cup Noodles, nos escovamos com água mineral e fomos dormir. Quer dizer, a Lua foi dormir. Eu fiquei aqui escrevendo.

Agora eu me sinto um pouco melhor, porque estou lendo um livro (que ganhei da mãe do Adriano) chamado "A arte da Felicidade". Tem me ajudado a compreender algumas coisas e a me sentir menos sozinha =)

Para ser sincera, não sei o que esperar de amanhã. Eu sei que, custe o que custar, eu vou dar um jeito de comprar o aparelho da internet. Sem água, sem banho quente e com o que sobrou da minha dignidade.

Are baba... (continuação)

Para chegar até a estação de Calcutá e conseguir pegar o trem das 17h30min para Kharagpur, saímos da casa do Mallick de táxi e nos encontramos no meio do trânsito maluco de Calcutá. As ruas têm mãos inglesas e a maioria dos motoristas não tem retrovisores, então, eles buzinam para avisar que estão passando! Ali, comecei a notar como eu chamo atenção aqui, porque as pessoas não são acostumadas com pessoas brancas, cabelos lisos e claros e olhos azuis. Eu estava dentro do táxi e, ainda assim, as pessoas nos carros que paravam ao lado ficavam olhando para mim com uma curiosidade quase infantil.
Chegamos a tempo de pegar o trem na estação caótica. Ao entrar no trem, já cheio, o compartimento para as bagagens dos nossos assentos haviam sido tomados por malas de outras pessoas. Mallick, que me ensinou que temos que ser fortes e agressivos ao falar com as pessoas aqui, armou uma enorme discussão em hindu com os homens que haviam tomado nossos lugares. E não é que eles cederam e nós tivemos onde por as bagagens?
Após duas horas de viagem com um barulho parecido com uma desritmada bateria de escola de samba e com uma sensação constante de descarrilamento, alcançamos nosso destino. Chegamos à estação de Kharagpur (a maior do mundo, com um mais de quilômetro de extensão, segundo eles), onde três meninos da AIESEC (não sei nem pronunciar seus nomes!) estavam nos esperando para nos levar para nosso apartamento.
Chegamos ao apartamento – no prédio onde fica um templo! - de dois quartos e um banheiro, com duas camas de armar, colchões e travesseiros novos que os meninos da AIESEC haviam comprado. Só. A cozinha (sem fogão, geladeira e utensílios) e o outro banheiro (o único com água quente) ficam no andar de baixo, separados dos quartos. Havia, ainda, camadas e mais camadas de pó e teias de aranha. Mas amanhã a empregada vem limpar tudo para deixar o apartamento em condições habitáveis para a gente, já que em duas semanas chega nossa nova colega de quarto, uma mexicana. Um parêntesis: a empregada vai limpar nosso apartamento todos os dias e lavar nossas roupas por 350 rúpias mensais, ou seja, sete míseros dólares.
Moramos ao lado do senhorio e, quando subimos com as bagagens, ele veio logo atrás de nós. Ele viu que os meninos da AIESEC subiram para deixar nossas bagagens e queria ter certeza que a Lua e eu iríamos dormir sozinhas no apartamento, já que ele mora com toda a sua família na casa ao lado e são muito conservadores. Tão logo ele subiu, os meninos da AIESEC já estavam descendo.
Após largarmos nossas coisas, fomos até o campus do IIT Kharagpur jantar com outros membros da AIESEC, inclusive um intercambista chileno, outro que, como eu, fica chamando a atenção por seu bronzeado às avessas.
Tentei pedir as comidas menos temperadas, mas tudo é muito picante aqui, inclusive o arroz carrega pedacinhos de pimenta. Comi um arroz com vegetais, lentilha apimentada e batatas com pimentas (sim, comida vegetariana). Tentei pedir o x-burguer no cardápio, mas era pão com vegetais (inclusive pimenta).
Voltamos para casa de Rikshaw, um meio de transporte meio inusitado: um homem puxa uma micro-carruagem para duas pessoas com uma bicicleta. O pessoal da AIESEC aqui é bem preocupado com a gente e muito gentis. Dois deles vieram em outro Rikshaw, nos seguindo, até que entramos em casa e foram embora.  
Amanhã de manhã vamos ao mercado comprar algumas coisas essenciais à nossa sobrevivência, como veneno para mosquitos, lixeiras (!), copos, pratos, talheres e frutas.
Ah, amanhã também vamos conseguir a internet para o apartamento e o celular que eu preciso para eu me comunicar com o mundo ocidenal.
A solidão continua difícil, especialmente na hora de dormir, mas eu fico feliz que tenho a Lua comigo. Já que somos duas sozinhas nos fazemos companhia. Ela é muito legal, também é organizada, tem mania por limpeza e odeia comida apimentada. Tenho sorte de dividir o que estamos passando com uma pessoa como ela e de estarmos nos dando tão bem, mesmo que ela seja lá do outro lado do mundo. Ou melhor, aqui do outro lado do mundo...

Are baba...

03, 04 e 05 de janeiro

Domingo, dia 03, à 01h01min da madrugada, eu saí da rodoviária da pequena Santa Maria (RS) rumo a três vôos extremamente cansativos e à realização de um desafio pessoal: morar em um lugar cuja cultura é oposto à minha. Com despedidas que não acabavam mais, subi para o ônibus com aquele aperto no coração por deixar família, namorado e a comodidade da minha casa para trás.
Do aeroporto, em Porto Alegre, peguei um vôo tranquilo de quase duas horas para São Paulo e esperei quase oito horas para embarcar para Frankfurt, na Alemanha. Cerca de 15 horas mais tarde, cheguei no imenso aeroporto alemão na hora de embarcar para Calcutá. Foi uma correria até o meu terminal, mas consegui pegar o vôo de oito horas para a Índia e sentir um pouquinho de neve no rosto.
O último vôo, sem dúvida o mais cansativo e interessante de todos, durou oito horas. Eu estava tão cansada de toda a viagem até agora e só queria dormir! Claro que havia nada menos que três bebês que não pararam de chorar desde a decolagem até o pouso.
Contudo, estar acordada me proporcionou uma das visões mais bonitas que eu já vi. Da janela do avião, vi o sol se por, mas de uma maneira diferente: não vi o sol. Na medida em que avançava para o Oriente do planeta, o sol simplesmente sumiu, deixando o céu com tons de laranja, roxo, até cair naquele azul da noite.
Até então todas as refeições que eu fiz nos aviões haviam sido ocidentais. Até que na janta da segunda-feira a aeromoça perguntou (em inglês): ocidental ou indiana? Sem hesitar, respondi “indiana”.  Acho que eu queria começar a experimentar um pouco da vida no país em que estava chegando. Resultado? Na hora que coloquei o arroz com batatas, mergulhadas em uma espécie de molho vermelho, descobri que o vermelho era de pimenta. Pimenta pura. Não teve jeito. Comi só as frutas.
Desci em Calcutá, às 01h da manhã de terça-feira, em um aeroporto que considerei bastante organizado. Passei na Receita Federal sem problemas, tive que assinar um termo dizendo que eu não tinha o vírus H1N1 (!) e comprei algumas rúpias. Troquei 200 dólares por mais de 8.000 rúpias e acho que é o suficiente para passar o mês. Corri para a cabine telefônica e liguei para o celular da Lua (minha amiga vietnamita que vai dividir um apartamento comigo na Índia), para a minha mãe e para o meu namorado. As três chamadas (duas delas internacionais para celular) custaram 160 rúpias. Nem dez reais!
Saí do aeroporto e a Lua e seu amigo indiano, Mallick, estavam me esperando do lado de fora. Eles haviam alugado um carro para nos levar até a casa do Mallick, onde passaríamos a noite para ir até Kharagpur, já que não é muito seguro viajar de trem à noite. Os dois são muito legais! Ele quer abdicar de sua cultura para casar com ela, mas ela, por enquanto, não quer.
Eu só queria tomar um banho e ir dormir, depois de tanto viajar. E então, veio o primeiro choque cultural. No banheiro, tinha um chuveiro de água fria, sem box, e um balde embaixo. Aí a Lua esquentou água e me deu, para eu misturar até uma temperatura agradável. Me virei e consegui tomar um banho. Então sentamos na sala e eu mostrei a eles fotos da minha família e amigos.  Às 4h30min da manhã (mais ou menos 9h20min no Brasil) deitei na cama para dormir. Os dois acharam que eu precisava descansar e dormiram em um colchão na sala. Dormi no quarto sozinha, em uma cama dura... era um pedaço de madeira com um colchonete em cima.
Embora os dois tenham sido muito bons comigo, não dá para deixar de se sentir sozinha. Especialmente quando se deita à noite! Mas consegui pegar no sono quando o dia já estava quase claro.
Acordei às 11h, com o barulho intenso da cidade e comecei a me ajeitar. Mallik pediu o almoço de um restaurante e eu pedi uma massa com molho de queijo. Me ofereci para pagar quando a entrega chegou, já que ele havia pago tudo desde que cheguei, e ele disse que assim eu o estava ofendendo! A massa era cheia de temperos fortes, com azeitonas, pimenta, pimentão, cebola, alho e um tempero que eu não consegui distinguir.
Agora à tarde Lua e eu vamos para nossa casa! Estou louca para chegar lá, conhecer e começar a trabalhar.
Pelo começo dessa jornada, acho que não vai ser fácil me adaptar, mas a Lua diz que é prá eu aproveitar porque o tempo passa muiiito rápido!Vamos ver.