Quinta-feira, 21/01
Acordamos cedo para esperar o pessoal da ONG, mas eles não vieram nos buscar. Ligamos e eles alegaram que estavam muito ocupados com uns problemas e que teríamos que voltar somente na outra semana. Com isso, conversamos e decidimos que iríamos para Calcutá na sexta-feira e passar o fim de semana lá, para ver os pontos turísticos que faltavam e passar um tempo longe de
Kharagpur.
Perto do meio-dia, então, saímos, as quatro intercambistas (Lua, Sandra, Isis e eu), para o campus a fim de aproveitar o começo do
Spring Fest, um festival anual que reúne estudantes de todo o país. O
Spring Fest começaria naquela noite, mas o campus já estava lotado e enfeitado para receber os visitantes.
Ensinamos à Isis tudo que ela precisava saber sobre o campus, apresentamos a ela o nosso seguro
egg roll, e mostramos como ela deveria fazer para acessar a internet. Ela é tão perdida, coitada! Ainda não tem nem ideia do que veio fazer aqui!
Na noite de quinta, o Felipe resolveu promover um churrasco, porque não aguentava mais essa vida a base de vegetais, peixe e frango. Com isso, nós quatro ficamos responsáveis pelas batatas, limões, tomates e refrigerantes. Fomos até o “mercado” do campus e adquirimos tudo o que precisávamos. Então, nos dirigimos até o dormitório do Felipe para dar início ao esperado churrasco.
Primeiro: o churrasco ia acontecer no telhado do prédio onde ele mora, porque é proibido fazer festa dento do campus. Para chegar lá, tínhamos que subir, no escuro, uma daquelas escadas de madeira que balançam a medida que se sobe.
Segundo: como não se achou carne de vaca nem com os mulçumanos (eles são os únicos que comem carne bovina por aqui), o pessoal comprou carne de...
bode!
Perto das 21h, estávamos todos no telhado tentando não fazer barulho, na escuridão da noite, iluminada apenas pelo fogo da churrasqueira improvisada que montaram. Eu não estava bebendo nada, porque sabia que, a qualquer momento, teria que descer aquela escada bamba e não quis arriscar despencar na avenida do campus e ser manchete internacional. Contudo, o pessoal estava bebendo cerveja e a Sandra resolveu apresentar sua mexicana tequila aos indianos. Uma das meninas indianas que estava lá tomou um
shot, com limão e sal e bebeu mais ou menos um copo de cerveja depois. Gente, eu nunca vi alguém ficar bêbado tão rápido! Ela começou a dançar, gritar, cantar músicas medonhas da
Mariah Carrey e da
Shania Twain, até que desmaiou. Deitou no chão e ficou por lá. Como levaram ela para baixo, eu nem imagino!
Entediadas, aproveitamos a deixa para ir embora e retornamos ao nosso flat para dormir, já que teríamos que pegar o trem às 8h20min da manhã do dia seguinte, se quiséssemos aproveitar bem o dia em Calcutá.
Sexta-feira, 22/01
Levantamos cedo e nos ajeitamos para ir à estação pegar o trem que nos levaria à movimentada Calcutá. Chegamos em nosso terminal exatamente às 8h20min, hora prevista para a saída do trem. Mas, como de costume, o trem atrasou e demorou mais de meia hora para chegar.
Com o atraso, descemos em Calcutá somente perto do meio-dia e Sandra, Isis e eu seguimos para o aparamento do Mallick, onde nos hospedaríamos no fim de semana. Ajeitamos nossas coisas e saímos correndo para uma pizzaria muito famosa por aqui chamada
Domino’s. Comemos uma pizza maravilhosa de frango barbecue com queijo extra. Era o paraíso para quem passa a semana à base de
egg roll,
Chicken Burger e miojo. Inclusive, quando me deram o papel para críticas e sugestões, lembro que escrevi a palavra “
heaven” (paraíso, em inglês) em alguma parte!
Como a Sandra precisava de um novo
lap top, fomos a uma loja especializada, onde ela logo achou um que lhe servia e comprou. Lembro que chegamos à loja às 14h e saímos de lá às 19h. Tudo aqui demora mil anos para acontecer por causa da burocracia, especialmente quando envolve pessoas estrangeiras (lembrem que eu estou aqui há quase três semanas e ainda não me conseguiram uma internet apropriada). Mas, como disse um menino da AIESEC aqui prá mim: vocês têm que ser pacientes, as coisas levam muito tempo para acontecer na Índia!
Saímos da loja e já era noite lá fora, por isso teríamos que arrumar um programa a portas fechadas. Descobrimos que eles têm um shopping aqui que dizem ser o maior da Ásia (du-vi-dei) e fomos lá ver qual era a moral deste tal de
South City Mall. Para chegar até lá, pegamos um ônibus lotado que nos deixaria na frente do local, e até o cobrador tentou nos enganar com o preço da tarifa! Ainda bem que estamos ficando muito ligadas nestas coisas e estamos aprendendo a falar mais alto e com mais força que eles.
Realmente, o lugar era enorme e parecia outro mundo dentro da Índia! Toda a pobreza e sujeira ficam do lado de fora, no outro lado da rua, e lá dentro é uma vastidão de lojas de marca, pessoas bem arrumadas e ar limpo para respirar.
Olhamos um pouco as lojas e comemos na enorme praça de alimentação. Comi um arroz misturado com vegetais e frango indiano. Estava bom, mas eu ainda tenho dificuldade de entender por que colocar pimenta até no arroz!
Saímos de lá pelas 21h e seguimos direto para a casa do Mallick. Ele perguntou se queríamos ir ao cinema ver um filme de
Bollywood e concordamos na hora! A sessão era às 22h30min e chegamos lá em cima da hora.
O filme era um épico sobre um guerreiro indiano que luta contra a dominação dos
firanghi britânicos na Índia. O nome do filme é
Veer, ou seja, guerreiro em híndi. Juro que, no Brasil, o filme seria lançado como comédia! O personagem protagonista tem cerca de 20 anos, mas o ator que o interpreta tem quase 50 e é muito amado pelo povo daqui.
Detalhe: ele já matou nada menos que sete pessoas ao dirigir embriagado!
No filme, eles dançam e cantam metade do tempo e o público, no cinema, aplaude e acompanha o ritmo com palmas. Está certo que eu assisti o filme em híndi e sem legendas, só com a tradução instantânea do Mallick, mas mesmo assim falta algum nexo na história. Por exemplo: no fim do filme, ele toma um tiro no peito, luta toda uma batalha somente com uma espada, hasteia sua bandeira e, então, morre.
Não existe beijo na boca em fime de
Bollywood, e a cena mais sensual é quando o protagonista dá um beijo na testa da mocinha, corta a cena e eles estão deitados ao lado da banheira muito bem vestidos e penteados.
Voltamos para o apartamento, em ritmo de
Bollywood, e fomos deitar na hora. Sandra e eu, que dividíamos uma cama de casal, ainda ficamos conversando até as 3h da manhã. Eu falando português e ela falando espanhol, em um
Babel totalmente compreensível de duas latino-americanas perdidas na Índia, mas felizes por rir um pouquinho das estranhezas destes asiáticos...
Sábado, 23/01
Acordamos quase meio-dia e fomos direto a uma loja de departamentos chamada
Big Bazaar a fim de pegar a promoção de sábado e trazer coisas mais baratas para
Kharagpur. No meio da multidão enlouquecida, conseguimos comprar bolachas, miojo, sopa, leite, suco e bergamotas para passar bem a semana.
Em seguida, almoçamos rapidamente no centro comercial onde fica o mercado (o mesmo no qual havíamos ido ao cinema na noite anterior) e fomos até a loja de computadores buscar o novo
lap top da Sandra.
Já eram quase 16h quando seguimos para o
BBD Bagh, uma espécie de bairro com prédios em estilo Vitoriano, que datam da época do Império Britânico na Índia. Lá, vimos o prédio do
General Post Office (Correios), muito branco e com uma cúpula redonda no topo, a
Saint Andrew’s Kirk, uma igreja não muito bonita e o
Writer’s Building, onde se reuniam os poetas e pensadores indianos no início do século XX. Este último era o que eu mais queria conhecer! Mas, adivinha o que? A fachada estava em reforma e estrangeiros não são permitidos dentro do prédio!
Caminhamos mais um pouco pelas redondezas e, como já escurecia, fomos novamente ao
South City Mall para jantarmos e para a Sandra procurar uma máquina fotográfica para ela.
No caminho de volta, paramos em uma
lan house por uma hora e chegamos à casa do Mallick por volta da 22h30min. A essa hora, ele e Lua já haviam ido viajar e nós, sozinhas no apartamento, vimos um pouco de TV indiana, preparamos o itinerário para o dia seguinte e, exaustas, fomos dormir.
Domingo, 24/01
Acordamos muito cedo para seguir o itinerário feito na noite anterior e às 8h30min, como havíamos planejado, saímos do apartamento do Mallick para a
Mother Teresa House. No caminho, o taxista tentou nos enganar fazendo um grande círculo antes de chegar ao local pedido por nós. Com o pé atrás, como estou com estes taxistas daqui, abri a janela e perguntei a um senhor onde era a Casa de Madre Teresa, ao que ele me indicou a direção oposta a qual estávamos indo. Gritei com o taxista até que ele fez a volta e nos largou no lugar certo.
A casa onde viveu Madre Teresa de Calcutá e onde ela jaz hoje é um lugar muito simples em um pequeno beco. Lá dentro, vimos seu túmulo e o quarto onde ela vivia e trabalhava. O quartinho é muito pequeno e apertado, e ali é proibido tirar fotos. Tem apenas uma cama, um armário, uma escrivaninha com um banquinho, onde ela escrevia suas famosas cartas abertas à comunidade, e uma mesa com seis lugares para reuniões com outras pessoas. Não sei como ela se mexia ali dentro. O quarto, aliás, foi o lugar onde ela faleceu. Antes de ir embora, ganhamos uma medalhinha beijada por uma das irmãs. Logo descobri que este gesto era característico de Madre Teresa, quando visitava os pobres.
Saímos de lá e fomos para o
Indian Museum, o museu mais antigo da Índia. Lá tem várias galerias, com relíquias hindus e egípcias, além de seções de botânica, pinturas clássicas e esculturas. Mas a visita vale mais a pena pelo prédio em si, que é em estilo Vitoriano e tem um jardim muito bonito.
A entrada para indianos custa dez rúpias. Para estrangeiros, o valor é de 150 rúpias, com mais 50 rúpias por câmera fotográfica, se quiserem tirar fotos lá dentro. O pessoal aqui adora cobrar demais dos turistas!
Tentamos ver tudo com muito interesse, mas havia coisas que simplesmente não nos chamavam a atenção, como as partes de moedas antigas (xerocadas em um papel), pedras naturais da Índia e Botânica.
Perto do meio-dia, fomos almoçar no
McDonalds, onde eu pedi o número um deles aqui, o
McVegie. Basicamente, o recheio é um empanado de vegetais o molho do
Big Mac, mas o gosto é bom.
Seguimos a pé para o
Vitoria Memorial, pois a Sandra e a Isis ainda não conheciam o lugar. Elas entraram e eu fiquei passeando pelos jardins e tendo outro dia de
popstar, tirando fotos com as pessoas e vendo elas tirando fotos minhas, disfarçando como se estivessem tirando fotos dos lugares em que eu estava.
Voltamos para o apartamento do Mallick, terminamos de arrumar nossas coisas e de deixar o lugar em ordem e fomos para a estação de trem. O taxista queria nos cobrar duzentas rúpias para nos levar até lá, mas eu, aprendendo os maus modos indianos, negociei com mão firme e consegui chegar ao preço justo de 150 rúpias. No fim das contas, ele deixou o taxímetro ligado e o preço saiu 165 rúpias, mas eu paguei o combinado.
No trem, um homem havia ocupado o nosso lugar das bagagens. Perguntei, em voz alta, a quem pertenciam aquelas malas e pedi que ele as retirasse. Ele riu de mim. Na segunda vez, exigi que ele mudasse as malas dele de lugar, pois eu sabia que aquela parte era destinada a nós. Todo mundo estava olhando e ele, de contragosto e meio envergonhado, mudou suas bagagens de lugar.
Satisfeitas, sentamos em nossos desconfortáveis assentos, colocamos nossas bagagens no lugar certo e seguimos viagem, onde chegamos e fomos direto para o flat, descansar do fim de semana corrido e nos preparar para mais uma semana na monótona
Kharagpur.
PS: Sim,
firanghi realmente é uma palavra em híndi e eu já ouvi ela ser pronunciada perto de mim diversas vezes, especialmente por mulheres desgostosas com a minha presença no local.