segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Entre doenças, fogueiras e gente nova no pedaço!

Sexta-feira, 29/01

Acordei sentindo muita dor no meu estômago. Quando eu achava que ia bater algum recorde mundial de boa saúde de um americano na Índia, fui assolada por problemas estomacais que (a maioria de) vocês não gostariam que eu descrevesse ou sequer inicia-se a contar.

Para resumir delicadamente minha enfermidade, nenhuma comida para no meu estômago e eu estou perdendo líquidos em uma velocidade incrível até para os padrões de crianças africanas afetadas por vermes.

Bom, o problema é que eu tinha que trabalhar de qualquer jeito na sexta-feira. O professor Mahepatra, responsável pelo meu projeto, havia agendado uma apresentação minha em uma universidade de “medicina” homeopática. Ou seja, faculdade de homeopatia. Contudo, ninguém me explicou que era medicina homeopática e eu nem considerava a ideia de existir tal graduação, por isso cheguei lá pensando que era uma faculdade de medicina normal e fiquei apavorada com as condições de higiene do local.

Em um prédio muito velho, com dois andares e séculos de poeira acumulada, comecei a minha apresentação para cerca de 200 pessoas, sendo que metade delas estava mais interessada no fato de eu ser uma pessoa branca de olhos azuis do que no meu seminário. Falei por quase uma hora (porque faltou luz por 15 minutos) e achei extremamente engraçado o fato de ter gente tomando notas do que eu estava falando.

Terminei minha apresentação e fui convidada a tomar um Tchai com bolachas na sala do diretor. Com uma platéia interessadíssima me seguindo e tirando fotos do meu rosto doente com seus celulares, andei até a grande sala mal iluminada, onde havia três colunas, de quatro cadeiras cada, alinhadas à frente da mesa do diretor. Ali, fui convidada a sentar na cadeira bem da frente, no meio, com outros professores ao meu redor. Eu era o centro das atenções e logo entendi que fui chamada ali para tirar as dúvidas que aquelas pessoas tinham sobre o futebol brasileiro.

Entediada, terminei meu Tchai e olhei com cara de desespero para a esposa do professor Mahepatra, que é a única professora do sexo feminino naquela “faculdade” e para quem eu havia contado sobre a minha enfermidade. Ela deu uma desculpa em bengoli e me puxou para um canto escuro da sala, onde pingou gostas de um “remédio” horrível na minha boca.

Saímos de lá por volta de 16h e eu estava me sentindo bastante melhor. O professor Mahepatra e sua esposa pararam na estação de ônibus, porque iam passar uma parte do fim de semana em um vilarejo próximo, ensinando crianças carentes a ler e escrever (eles são pessoas muito gentis e, convenhamos, um casal muito fora dos padrões indianos). Ao invés de ir para o flat, fui para o campus, onde está acontecendo um grande festival de tecnologia – segundo eles, o segundo maior da Ásia.

Encontrei a Sandra, que estava com as duas meninas indianas que havíamos conhecido na quarta-feira, e elas nos levaram para comer alguma coisa. Como eu estava melhorando, não queria arriscar comer nada muito forte e elas me indicaram uma massa vegetariana com queijo e sem molho. Comi tudo sem sentir um único gosto apimentado e agradeci a elas pela dica.

Depois, seguimos para um dos eventos do festival, o único que eu queria assistir: era uma palestra intitulada “O que é criatividade?”, com o cineasta indiano Shekhar Kapur, diretor dos filmes Mr. Índia, Bandit Queen e do premiado Elizabeth.

Suas palavras foram muito interessantes, especialmente quando definiu o conhecimento como a morte da criatividade. Entre outras ideias curiosas que dividiu naquela noite, me chamou a atenção ao dizer que, quando entra em um set, não tem ideia do que vai fazer, mas precisa aparentar calma, já que dirige o trabalho de cerca de 700 pessoas. Para ele, a criatividade resulta deste momento de caos, de pânico.

Prestei atenção às suas palavras informais ainda com muita dor no meu estômago. Quando abriram espaço para perguntas, as cerca de três mil pessoas no auditório a céu aberto ainda estavam em silêncio. Alguns, então, começaram a levantar-se e fazer seus questionamentos.

Não me causou muito espanto quando percebi que a maioria das perguntas era do tipo “defina caos” ou “você não acha que é muita preguiça da sua parte entrar em um set sem saber o que fazer?”. Aqui, entre os futuros engenheiros do IIT, tudo tem que ter um método, uma fórmula exata que traga um resultado. Com isso, as palavras pouco metódicas sobre criatividade do premiado diretor não pareceram impressionar os auto-denominados gênios do Indian Institute of Technology Kharagpur e as perguntas seguintes limitaram-se à curiosidade de saber se ele planejava ou não voltar para Bollywood (antes, claro, queriam saber por quais motivos ele trocou Bollywood por Hollywood, dando a entender que esta fosse a maior injúria de um indiano à sua sociedade).

Quando acabou a palestra, tentei ir conversar com o diretor, mas a dor aguda no meu estômago me mandou correr para o flat.

Sábado e Domingo, 30 e 31/01

Depois de uma madrugada passando muito mal, em decorrência de meus problemas estomacais, passei a manhã toda na cama, tentando recuperar o sono perdido.

Acordei depois do meio-dia, tomei um banho e comi um miojo com uma sopa de legumes de saquinho, que tínhamos por aqui. Alimentada, me senti um pouco melhor.

O espirituoso Himen nos ligou no meio da tarde a fim de nos convidar para ir à praia durante a noite com o pessoal da AIESEC. Achei estranho, porque praia é bom durante o dia, mas ele me explicou que, aqui, eles saem de Kharagpur antes da meia-noite, chegam à praia pelas 3h, fazem uma fogueira, cantam, dançam, conversam, vêem o sol nascer, tomam café da manhã e voltam pelas 9h. Já entediadas de passar todo o sábado dentro do flat e sem previsão de sairmos para qualquer outro lugar que não fosse o campus, concordamos em ir.

À tarde, Sandra e eu assistimos a um filme (intitulado He’s not that into you) e preparamos nossas coisas para a “viagem”. Pelas 19h fomos, de bicicleta, até o campus para comer alguma coisa antes de seguir para a praia.

Preferi não comer nada, porque ainda me sentia mal e comprei bolachas salgadas, bananas e bergamotas (ai, que saudades do meu país tropical!) para ter como janta e café-da-manhã.

A saída estava prevista para as 22h, mas como aqui é a Índia, deixamos o campus às 23h30min, em um carro alugado no qual cabiam nove pessoas. Estávamos em onze.
O pessoal da AIESEC se amontoou uns sobre os outros e, assim, fizeram com que viajássemos mais confortavelmente.

Paramos para jantar em um restaurante de beira de estrada quase à meia-noite e sentamos do lado de fora, em redes, para fazer a refeição. Vendo o estado da cozinha, em chão de terra batida, e a higiene dos cozinheiros, e consciente da minha enfermidade, optei por comer uma das minhas frutas e tomar um dos shakes de proteína da Lua, que havia levado comigo.

Voltamos ao carro para seguir viagem e eu peguei no sono todo o caminho, mesmo com a galera da AIESEC cantando músicas AIESECas e batendo palmas sem parar. Acordei às 3h, quando o carro parou na areia dura de Mandarmani, uma das praias do Oceano Indico.

Como já era madrugada, eu não enxergava um palmo na minha frente e não via ou ouvia o mar. Os meninos fizeram uma fogueira e todos sentaram ao redor dela. Enquanto eles faziam algumas brincadeiras de raciocínio lógico (aham, na praia), eu preparava as Caipirinhas e Sandra preparava as Margaritas.

Sem gelo e sem cachaça, as "Caipiroskas" de Smirnoff não ficaram muito boas, mas eles gostaram - ou fingiram que gostaram. O que queriam mesmo era tomar tequila.

Fiquei sentada ao redor da fogueira comendo minhas bananas e observando os indianos se embebedarem e perderem parte do seu raciocínio lógico e da sua noção do ridículo. Logo, começaram a jogar “verdade ou conseqüência” e eu me senti novamente na sétima série. Teve até dança homossexual por lá! Menos mal que eu me escondi num canto e eles, bêbados e entretidos, nem notaram a minha presença. Depois de seus joguinhos, começaram a colocar músicas indianas e fazer danças como aquelas que víamos na novela, mas sem os trajes típicos e sem as pessoas bonitas e ritmadas (PS: registrei os piores momentos em fotos e vídeos).

Puxei um saco de dormir para perto do carro e morri lá até perceber que o sol estava queimando a minha face. Já eram 7h30min da manhã e eles estavam todos, incluindo a Sandra e o Felipe, pulando no mar mais calmo e gelado que já vi na vida e brincando com uma bola de futebol nos arredores. Levantei, fiz um social e dormi de novo, desta vez dentro do carro.

Acordaram-me às 9h para tomar café e seguimos para um dos “restaurantes” na beira mar. Comeram pão, ovos, lentilhas, batatas e tudo mais que se possa imaginar, enquanto eu, já sem as minhas bananas, comi apenas um pão com manteiga e tomei uma água de coco. Meu estômago já pedia arrego de novo e eu só queria voltar para “casa”.

Saímos da praia quase às 10h e, como eu dormi bastante, era uma das únicas acordadas no carro. Fomos o caminho inteiro escutando músicas de Bollywood e eu dei graças quando finalmente chegamos à tediosa Kharagpur.

Aproveitei a tarde para curtir minha “doença” e dormir bastante.

No início da noite, me ligaram para avisar que a menina de Taiwan estava chegando. Desci para abrir a porta e dei de cara com uma loira gordinha, sem olhos puxados, e um pouco mais alta que eu. Estava vestindo trajes típicos indianos, com uma bata azul bordada com algumas flores e uma calça verde limão. Subi as escadas atrás dela fazendo caras de dúvida para Sandra.

Ela se apresentou, dizendo que seu nome era Lucia, tem 21 anos e estuda Relações Internacionais. Finalmente no quarto, tive que perguntar: “de que jeito tu és taiwanesa?”

Ela riu. “Quem disse que eu sou taiwanesa?”. Depois, nos explicou que era eslovaca e estava estudando o semestre em Taiwan. Contou-nos que teve de comprar trajes indianos logo que chegou, porque alguém lhe disse que suas roupas não eram "apropriadas" para a Índia. Ainda nos relatou um pouco sobre sua vida e suas rebeldias na adolescência fazem com que eu pareça um anjo.

Resumindo, ela já fugiu de casa porque aprontou no colégio, mentiu para uma agência de intercâmbio para poder cursar o Ensino Médio na África do Sul sem que os pais precisassem autorizar nada, morou dois anos lá, um deles com uma família louca e o outro com um africano, com quem ela queria se casar (com dezessete anos!). Por isso, seus pais tiveram que ir até a África para buscá-la e colocá-la dentro do avião para que desistisse do casamento. Então, ela começou a estudar Relações Internacionais em seu país e fazer os semestres em lugares diferentes do mundo (e por isso agora mora em Taiwan). Ela é muito gente fina e eu acredito que será uma boa pessoa para alegrar a gente com suas histórias - mas é completamente fora da casa.

Após as cativantes histórias de Lucia, minhas colegas de quarto foram dormir e eu segui acordada para trabalhar em uns slides das minhas apresentações. Quando fui me deitar, já tinha passado de uma da manhã e eu já me sentia melhor do estômago e mais otimista por ter uma nova parceria neste lugar tão... isolado.

2 comentários:

  1. Minha Filha!
    Já te falei várias vezes p/te cuidar. Estou ficando preocupada com a tua "doença". Vai no médico, ou procura novamente a esposa do professor.
    Estas tuas aventuras estão sendo maravilhosas, e fico contente em saber que tu estás sabendo manter a tua postura, para poder aproveitar ainda mais os teus dias por aí. Eu sabia que tudo o que tentamos passar p/ ti de conceitos, tu havia assimilado.
    Parabéns pelo teu caráter,agora sim, tenho certeza que minha árvore rendeu bons frutos.
    Te amamos muito e estamos com muita saudades e preocupados com tua saúde. Te cuida
    Bjs

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  2. Amor do tio,assino embaixo o comentário acima,Fala com a esposa do teu professor.Se as "gotas" aliviaram é porque são,de alguma forma,curativas.
    E convida a Lucia para passar um semestre aqui...hehehehehehehe
    Te amo e a saudade tá grande.
    Bjos.

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