Sábado, 06/01
Como previsto, fui acordada ainda durante a madrugada pelos rituais de Puja no templo que fica embaixo de “casa”. Os poucos minutos de paz e silêncio de partes da celebração eram interrompidos pelo badalar insistente do sino do Pandit, que, por sua vez, era seguido pelos sons desritmados e barulhentos dos instrumentos carregados pelas mulheres.
A celebração começou quase às 6h da manhã e ainda não havia terminado quando deixamos o flat, às 13h para ir à Convenção Local da AIESEC. Pegamos nossas bicicletas e saímos abrindo caminho entre a multidão de gente aglomerada no nosso pátio, que nos olhava curiosa.
No meio do caminho, o pessoal do Comitê Local nos ligou para pedir que levássemos junto conosco o USB da internet móvel. Voltamos, debaixo de um sol de rachar, e Lucia disse que não se sentia bem e que ia ficar no apartamento.
Com isso, Sandra eu seguimos para o campus, onde pegaríamos o ônibus para a tal convenção, que nos disseram ser em um resort próximo. Eu estava curiosíssima para saber o que os indianos consideram um resort.
No caminho entre nosso apartamento e o campus, o pessoal da AIESEC nos ligou umas cinco vezes para dizer que o ônibus só estava esperando por nós. Haviam nos avisado que o ônibus partiria às 13h30min, mas como eu sei que não sairia antes de, pelo menos, uma hora de atraso, ainda paramos para comer no caminho, mesmo com ligações impertinentes para saber sobre o nosso paradeiro.
Chegamos ao portão principal do campus perto das 14h e, como eu havia previsto, nem o ônibus estava lá ainda. Dirigi-me aos membros da AIESEC que estavam me ligando e perguntei onde estava o ônibus, ao que me responderam que ainda não havia chegado.
Estourei de raiva, sentindo a cabeça esquentada pelo sol, e xinguei todos aqueles que consegui avistar! Ora, desde o primeiro dia aqui, eu chego sempre no horário dos eventos e eles nunca começam na hora. Naquele dia, estávamos atrasadas porque tivemos de voltar e buscar o USB, que eles pediram. Para que ficar ligando se nem o ônibus estava lá ainda?
Quando o ônibus chegou, cerca de 20 minutos depois, eu já estava ameaçando voltar para casa. Ainda assim, não poderíamos sair porque o presidente e um ex-membro do comitê ainda não haviam chegado. Liguei para o presidente e avisei, muito séria, que, se não chegasse em cinco minutos, eu começaria a organizar um impeachment. Nem sei se eu posso fazer isso, mas ele chegou em 3 minutos e meio. Partimos então para o resort onde seria a convenção local com os recém-recrutados membros.
Não me surpreendi quando, ao chegar lá, o “resort” era, na verdade, um hotelzinho de beira de estrada. Com um bar e um restaurante à frente, os quartos eram pequenas casinhas cinza e sem vida na parte de trás. Entre o restaurante e os quartos, havia o pequeno centro de convenções, com teto de palha.
Ainda estava de mau humor por causa do atraso do ônibus e do quanto me incomodaram para eu chegar lá na hora. Então, ao início da convenção, no qual os novos membros seriam “iniciados” na AIESEC, sentei-me no fundo com meu notebook e segui fazendo meus relatórios.
Uma hora mais tarde, eu estava quase pegando no sono naquela sala escura, onde estavam mostrando slides de Power Point sobre a AIESEC e a atual diretoria até que uma coisa me chamou a atenção.
Quando passaram o slide com a apresentação do Rahul, o responsável por mim aqui, na pergunta “status”, a resposta dizia “solteiro até meus pais me arranjarem um casamento”. Só isso. Sem “haha” ou nada para complementar que indicasse que aquilo fosse uma brincadeira. Descobri que ainda é muito comum por aqui que os pais arrumem o casamento para os filhos. Quando perguntei por que, eles me disseram: “ora, por que meus pais iriam me arrumar uma coisa ruim? Eles podem escolher melhor do que eu, eles têm mais experiência”. Mas e a paixão? E o amor? “Ah, paixão é passageira e a gente aprende a amar o outro”. Aprender a amar deve ser bem fácil mesmo... Contudo, eles complementaram, agora a maioria das famílias permite que os noivos aceitem ou não o casamento. Muito melhor.
Sandra e eu saímos para o pátio para comermos nossas sempre salvadoras bergamotas e fomos seguidas por alguns membros. Eles queriam nos avisar que haviam mandado uma pessoa até o flat para saber como Lucia estava e ela havia desaparecido, deixando tudo trancado pelo lado de fora. Eu tranquilizei-os dizendo que, talvez, ela tivesse ido ao mercado.
Voltamos para dentro do Centro de Convenções, onde continuamos escutando sobre o trabalho da AIESEC na Índia. Eu já estava quase pegando no sono novamente, quando acenderam as luzes para anunciar o período de brincadeiras. Funcionava assim: papéis eram distribuídos para as pessoas escreverem um “mico” que outros teriam de pagar.
Teve de tudo: Hímen fez uma pole dance, onde o poste era o Nieten; Shubhanshu cantou uma música romântica, e depois foi pedido em casamento por Fernando (tá, Fernando não é o nome verdadeiro do menino, mas é como a gente chama ele. Quem mandou ter nome impronunciável?). No fim, sobrou até prá Sandra dançar uma salsa com Shubhanshu (todos adoram pegar no pé dele!) e nós duas tivemos que dançar uma música indiana, devidamente coreografada por Ninad.
Depois da janta, fui chamada à frente para receber um presentinho da diretoria do Comitê Local: um calendário de 2010 e uma camiseta pólo da AIESEC daqui. Após isso, mais brincadeiras. Sabe aqueles concursos de competição de quem bebe mais rápido? Pois é, nos dividiram em times de cinco pessoas e tínhamos que beber o líquido de um copo inteiro, colocá-lo na cabeça, amassá-lo na mesa para o outro poder beber, até chegar ao último indivíduo. Ganhava o time que acabasse primeiro.
Nas vezes em que participei, meu time ganhou todas! E eu até fui convidada a ser juíza das outras “partidas”! Agora, você deve estar pensando que eu fiquei muito bêbada, não é? Não. Não. A competição era com Coca-Cola mesmo, ou melhor, com Thums Up, o refrigerante mais doce do mundo. AIESECers não bebem em serviço!
Já estávamos dentro do ônibus, para ir embora, quando descobrimos que Lucia tinha ido até Calcutá. Isto porque Lua me ligou para dizer que estava preocupada, pois Lucia havia ligado para ela avisando que chegaria ao apartamento de Mallick (nosso hostel em Calcutá!) pelas 20h30min, mas já eram 22h30min e nada de ela dar sinal de vida.
Avisei o pessoal da AIESEC e eles ficaram morrendo de preocupação. Mas, por favor! Vamos pensar um pouquinho! A guria sobreviveu dois anos sozinha na África, viajou o mundo, aprontou todas a que tinha direito e não ia conseguir sobreviver a uma noite em Calcutá?
Voltamos ao nosso apartamento para dormir e, já depois da meia-noite, recebo uma ligação de um número desconhecido. Era Lucia avisando que havia encontrado alguns amigos da África do Sul na estação de trem e estava se divertindo horrores em Calcutá! Já era de se imaginar...
Domingo, 07/01
Só acordei depois do meio-dia e estava muito cansada por ter dormido pouco (e mal) na noite anterior. Tomei um banho, enquanto Sandra preparava nosso grande almoço: miojo com sopa de tomate... Almoçamos e ficamos sentadas no chão da nossa cozinha improvisada conversando sobre a vida.
Saímos do apartamento pelas 14h e fomos ao campus para tomar um café. Antes, aproveitamos o bonito domingo de sol para passearmos um pouco pelas ruas e avenidas que formam o bonito, agradável e florido campus do Indian Institute of Technology Kharagpur. Só senti falta do mate na mão!
Tomamos nosso café calmamente e fomos ao salão de beleza, pois, depois que eu testei a segurança do local, como cobaia, Sandra também queria ir. Desta vez, só fiquei sentada rindo dela, no meio da sala, vestida com uma camisola azul duas vezes o seu tamanho e constrangida com o entra e sai de gente.
Quando saímos de lá já era passado das 18h e já havia escurecido. Fomos ao Tech Market comprar frutas e voltamos para o apartamento para esperar, porque Isis, a chinesa, estava voltando para ficar conosco alguns dias antes de ir embora para sua casa.
Mais tarde, perto das 20h, ela chegou, vestida do mesmo jeito que havia deixado nosso flat em Kharagpur da última vez que a vimos, com aquelas mesmas botas ortopédicas, o casaco preto de lã largo e o cinto xadrez vermelho e preto na calça jeans. Até os cabelos bem pretos, ondulados e oleosos, escorriam da mesma maneira pelo rosto brilhoso, no qual o único detalhe que chama a atenção é o óculos de grau Levi's, que ela nunca tira.
Chegou falando devagar e mansamente, como sempre, e eu, que estava há dois minutos conversando com ela, já tinha vontade de dar um “pedala” na cabeça dela para ver se as palavras engrenavam.
Mais tarde, depois de comer uvas e bananas como janta, emprestei o meu computador para as duas verem um filme enquanto eu usava o de Sandra para acessar a internet e usar o Skype para conversar com meu namorado, com quem eu não tinha contato visual desde que cheguei aqui, há mais de um mês...
Capítulo final
Há 14 anos
e Shubhanshu é um nome pronunciável? hahahhaa
ResponderExcluirCoitadas de vocês, ainda vão enlouquecer com a Lucia louca. Os Aiesecers devem tá querendo mandar mto ela embora hahah
E mtoo bonito o campus dai :D
Beijão sis
nathi