terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Iniciam-se as despedidas em Kharagpur...

Segunda-feira, 08/02

Como de costume, a faxineira bateu à nossa porta às 8h da manhã. Também como de costume, levantei-me, abri a porta do quarto, destranquei a porta da frente, desci as escadas prestando atenção à quantidade de teias de aranha que poderia levar comigo, desliguei a luz que fica acesa do lado de fora e, finalmente, abri a porta da frente, pronta para me deparar com o corpo velho, franzino e descalço daquela mulher.

Contudo, ao abrir a porta, desta vez, encontrei o filho do senhorio ao lado de uma menina pequena e magra, que aparentava ter cerca de 15 anos. Ela estava vestida em um saree vermelho, com um blusão de lã laranja por baixo dos panos surrados e igualmente descalça. Não era feia nem bonita e tinha um olhar cabisbaixo e triste. Seu rosto lembrava, pelo dentes mais à frente que o normal, o da faxineira que vinha todos os dias.

O filho do senhorio, então, me explicou que a partir daquele momento aquela menina, que era filha da nossa faxineira, viria diariamente limpar o apartamento. Questionei o motivo da troca, mas ele somente resmungou algo para a menina, em híndi, e deu as costas para nós, deixando-me sozinha com ela.

Entrei novamente na casa, liguei a bomba que faz encher a caixa d’água e subi as escadas com a menina logo atrás de mim. Entramos na nossa “sala” e mostrei a ela onde estava a roupa suja, o pano, o desinfetante, o sabão e a vassoura. Ela não demonstrou qualquer emoção ou sinal de que entendia o que deveria fazer. Fiquei encarando-a mais uns instantes e ela seguiu para o banheiro, para encher um balde e começar a faxina.

Voltei para o quarto e me deitei, somente escutando o que ela estava fazendo na outra sala. Logo entrou no quarto acocorada e com o pano úmido nas mãos. Tentei perguntar se ela não ia varrer o chão antes, mas ela ficou me olhando com aqueles olhos humilhados e eu nem quis tentar fazê-la entender o que eu quis dizer.

Em menos de vinte minutos, ela tinha acabado o serviço e saiu pela porta sem avisar ninguém. As roupas estavam muito mal lavadas e o chão ainda parecia sujo. Mesmo assim, apenas fechei a porta, comi uma fruta para o café da manhã e comecei a me arrumar para o trabalho.

Lucia ainda não havia voltado e eu tinha combinado com o secretário da ONG de nos encontrarmos às 14h, no portão principal do campus.

Fomos para o campus almoçar, Isis, Sandra e eu, e, para a minha alegria, desta vez, tinha batata frita no cardápio do refeitório que fica no dormitório do Felipe! Como eu não queria exagerar, peguei um pouco de batatas fritas, arroz branco com um molho de legumes, chapatis (pães sem fermento, que parecem panquecas), legumes e o iogurte caseiro natural de sobremesa.

Estava me dirigindo ao portão, perto das 14h, quando Lucia me ligou avisando que havia chegado à estação de Kharagpur. Disse que pediria ao pessoal da ONG para apanhá-la lá depois que viessem me buscar e iríamos direto para o trabalho.

Desliguei o telefone e liguei para o secretário da ONG. E adivinha só? O carro continuava estragado e não teríamos como ir trabalhar. E não é por má vontade nossa de pegar um ônibus ou um auto-rickshaw para chegar lá. É o secretário da ONG que não nos deixa ir sozinhas, porque o bairro é um pouco perigoso e nós chamamos muita atenção.

Frustrada e consciente de que teria de passar o dia em cima dos intermináveis relatórios, rumei para a biblioteca ao lado de Isis, que não tinha nada para fazer.

Paramos no caminho para comprar as nossas passagens de trem. Ela parte amanhã e eu na quinta-feira. Vou para Calcutá, deixar minhas bagagens na casa do Mallick, para poder pegar o avião sexta-feira e ir à Jaipur, Agra e Déli. Volto para Calcutá dia 17 (meu aniversário, não esqueçam!) pela manhã, passo na casa do Mallick, reúno as minhas coisas e parto para minha jornada de retorno ao Brasil às 2h45min do dia 18.

Com nossas passagens na mão, rumamos à biblioteca e sentamos, uma do lado da outra, em uma das escrivaninhas da entrada. Depois de postar no meu blog e colocar fotos no Orkut, eu tentava me concentrar nos relatórios que preciso terminar até quarta-feira, enquanto Isis se divertia na internet assistindo a uns videoclipes de uma banda só de homens metrossexuais de olhos puxados, que eu não sei se são chineses, coreanos ou de outra parte da Ásia. Ela olhava encantada para aqueles homens bem arrumados e de cabelos compridos, cantando em cenários luxuosos, que, para mim, pareciam comediantes fazendo um número musical.

Quando eu estava quase indo embora, um rapaz veio falar comigo. Disse que não queria ser inconveniente, mas que havia feito um desenho de mim, enquanto eu “estudava” e queria me dar de presente. Agradeci e aceitei a folha de papel pautada com um desenho meu de perfil, aparentemente depois de uma sessão de tortura. Ou o desenho não tem nada a ver comigo ou eu sou muito feia mesmo. Mesmo assim, sorri, agradeci novamente, e ele se retirou.

Saímos da biblioteca e fomos à cafeteria encontrar o Adi, ex-presidente da AIESEC local. Como ele é natural de Déli, havia se oferecido, durante a convenção à qual fomos no sábado, para nos ajudar a fazer um plano de viagem.

Terminamos de discutir os pontos turísticos que não podemos deixar de ver por lá e o Rahul me ligou para avisar que eles fariam uma festa de despedida para Isis e para mim naquela noite. Já eram 20h e eu estava super cansada, mas mesmo assim não poderia deixar de ir.

Alguns dos membros da AIESEC fora nos buscar na cafeteria e seguimos, a pé, até o nosso restaurante preferido: o Little Sisters. Passamos uma noite agradável, conversando sobre diferença de culturas e sobre nossas experiências na Índia.

Me chamou a atenção quando vi dois amigos sentados, de costas para mim, conversando um no ouvido do outro. Um deles estava com o braço ao redor do ombro do outro e eles pareciam muito íntimos. Curiosa, iniciei uma discussão sobre homossexualismo na Índia. Shubhanshu, que é Vice-Presidente de Comunicação do Comitê Local, foi enfático e quis encerrar as minhas perguntas com a frase "não existem homossexuais na Índia". Tentei argumentar que são mais de um bilhão de pessoas e, com certeza, há homossexuais entre elas, só que, devido à cultura rígida, eles não têm coragem de "sair do armário". Mas tive que ficar quieta, porque vi que era uma batalha perdida.

Antes das 23h, pagamos a conta (quer dizer, eles pagaram a conta e não me deixaram pagar de jeito nenhum) e fomos embora. Olhei para a Lucia e disse: “se deu conta de uma coisa?”. Ela balançou a cabeça negativamente com um olhar curioso. “Desta vez, os garçons não nos trouxeram o açúcar”.

Ela riu daquele jeito descontrolado dela e, quando finalmente parou, ficou sorrindo em silêncio. De repente, me disse “acho que eles aprenderam a lição” e soltou outra gargalhada. Sorrindo, olhei para ela e perguntei se ela também tinha aprendido uma lição. Olhou-me furtivamente, sorriu sem mostrar os dentes e deu de ombros.

3 comentários:

  1. É Vanessa, está chegando ao final esta incrível experiência,e, pelo que tenho lido, foi uma experiêcia muito positiva em tua vida. Com certeza acrescentou muito, tu vais voltar com uma bagagem e tando ( mesmo não tendo feito compras). Gostei de ter dado força para que isto tudo acontecesse, mesmo, que as vezes, lendo teus relatos, fiquei com o coração partido, com vontade de pedir que voltasse.
    O difícil vai ser deixar esta legião de fãs que tu conseguiu aí!!!!!!(hahaha)
    Beijos com saudades mil
    da tua Mãe

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  2. Amor do tio, vcs esqueceram da Lucia na rodoviária!!!!!!!!!!!!

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  3. Olá Vanessa! To indo pra Índia pela AIESEC também, e gostaria de fazer umas perguntas sobre sua experiência! Me manda um e-mail se puder! giu.mg@hotmail.com
    Obrigada, Giulia

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