domingo, 7 de fevereiro de 2010

Calor humano e hospitalidade da mulher indiana: das escolas aos salões de beleza.

Quinta-feira, 04/02

Mais uma vez, acordei pela manhã muito a fim de ir ocupar minha mente com algum trabalho e descobri que o pessoal da ONG novamente estava com problemas e não poderia vir nos buscar no apartamento. Contudo, desta vez, me avisaram que eu teria uma apresentação na tarde do dia seguinte.

Fomos almoçar no campus e segui direto para a biblioteca para passar o dia organizando os relatórios que tenho que entregar. Só saí do prédio quando já era noite escura lá fora e fui direto à cafeteria para comer um sanduíche.

Que dia inútil! Todos os dias que eu tenho que me sentar quieta e fazer burocracias são dias perdidos para mim!

Voltamos para casa, com nossas bicicletas, e eu aproveitei para ler um pouco e usar a internet. Fui dormir bem tarde... sentindo-me a pessoa mais inútil entre os mais de um bilhão de habitantes da Índia.

Sexta-feira, 05/02

Como havia dormido muito tarde na noite passada, acordar foi uma dificuldade. Mesmo assim, levantei cedo para tomar um banho e me ajeitar para a minha apresentação.

Fomos para o campus, almoçar na cantina do dormitório do Felipe e, para a minha alegria, entre aqueles pratos de comidas estranhas e sem nome, enxerguei pedaços de peixe à milanesa com um molho vermelho! Nunca tem carne nenhuma por aqui, porque grande parte dos alunos é vegetariana.

Minha já treinada desconfiança com a comida indiana me levou a crer que aquele molho ia me gerar alguma sensação de queimação na boca e em todo o meu aparelho digestivo, devido ao exagero de pimenta e chilli característico da cozinha das Índias. Prevenida, peguei alguns pedaços de limões e banhei meu peixe para neutralizar o gosto apimentado. Perfeito!

Saí de lá direto para o carro da ONG, que estava vindo ao campus para nos levar para o trabalho. Depois de meia hora de viagem, chegamos ao nosso desconhecido destino: Jayaprakash Institute, uma instituição de Ensino Técnico que treina mulheres para serem agentes de saúde nas comunidades.

Sem projetor e apoiada apenas pelos slides reproduzidos no meu laptop, falei sobre HIV e AIDS para cerca de 40 mulheres uniformizadas em sarees vermelho e branco (por favor, não me venham com piadas coloradas sem graça).

Elas pareciam interessadas, mas como seu inglês não é dos melhores, não sei se consegui transmitir a elas tudo o que desejava.

Ao final da palestra, uma delas se levantou, atravessou a sala escura, com paredes brancas e chão de terra batida, veio até mim e disse uma palavra que eu preferi fingir que não entendi.

Ela me estendeu o caderno com folhas pautadas e repetiu bem devagar que queria um autógrafo! Autógrafo. Eu.

Disse à ela que eu não era famosa e não dava autógrafos, mas ela empurrou novamente seu caderno para mim. Quando finalmente aceitei pegar o caderno, todas as outras mulheres, que aparentavam ser mais velhas do que eu, levantaram e foram até mim com seus cadernos estendidos.

Rindo daquela situação toda, “autografei” todos os cadernos que elas me deram e fiquei extremamente feliz quando vi que não havia mais cadernos estendidos em minha direção. Dirigimo-nos à frente da sala e tiramos uma foto com a minha câmera digital e com outras quatro câmeras analógicas, daquelas que a pessoa tem que passar o filme prá frente depois de bater a foto.

Em seguida, o diretor no convidou a sentar em cadeiras de jardim (aquelas de plástico branco), postadas em frente ao instituto. De dentro do prédio, saíram, então, algumas alunas enfileiradas com pratos e copos nas mãos e serviram para nós (o secretário da ONG, Lucia e eu) omelete com cebola e orégano, duas bolachas “Maria”, uma banana e um copo d’água. Logo em seguida, vieram outras alunas, cada qual com uma xícara de Tchai.

Comi todo o meu lanche enquanto conversávamos com o diretor da escola sobre o que as alunas faziam e sobre o que aprendiam. Descobrimos que o instituto é financiado pela UNESCO e que a todas as alunas vêm de famílias muito pobres, estudam em regime de internato e se formam em dois meses. O salário médio delas, quando começam a trabalhar, é menos de duas mil rúpias. Ou seja, menos de 45 dólares por mês.

Depois da agradável conversa, nos despedimos de todas as alunas e entramos no carro para voltar ao campus.

Para o fim de semana, estávamos planejando ir para Bodhgaya, uma cidade sagrada para os budistas, onde tem um templo do século 3º a.C., no qual, reza a lenda, o príncipe Sidarta foi "iluminado" e tornou-se o Buda. Contudo, não conseguimos passagens de trem.

Tentamos planejar, de última hora, outra viagem, mas nada deu certo por causa dos malditos trens lotados.

Chateada e frustrada, resolvi ir ao salão de beleza do campus para fazer depilação com cera (relatos de viagem têm que incluir até esse lado da cultura!). Sempre passava pela frente do local, mas nunca havia tido coragem para entrar. Para a minha (boa) surpresa, era um lugar bem organizado e relativamente limpo para os padrões da sociedade indiana.

Expliquei o que queria e as mulheres não paravam de rir. Irritada, perguntei qual era a graça e elas disseram que estavam com vergonha de pedir, mas queriam tirar uma foto comigo.

Tirei a foto, sentada em uma cadeira com elas de pé ao meu redor, e elas ficaram passando a mão no meu cabelo e me tecendo elogios super nada a ver. Logo, começaram uma discussão em híndi, que descobri ser sobre minha aparência: se questionavam se eu era mais parecida com uma Barbie ou com uma boneca de porcelana. Ok. Porcelana venceu (acho que elas entenderam que nunca vai haver tal coisa como “Barbie vai à Índia”) e eu finalmente consegui fazer com que elas fossem esquentar a cera.

Uma das moças me chamou para o quarto atrás do salão e me deu uma camisola de algodão vermelha no estilo da vovó e mandou que eu vestisse. Troquei de roupa e sentei na cama à minha frente, achando que a sessão seria ali. Então, ela me chamou de volta para a sala principal. Continuei sentada. Ela voltou, impaciente, e mandou eu me levantar.

Relutante, fui até a sala principal, onde havia duas mulheres com três crianças e mais as outras duas atendentes do salão. Sentei-me em uma das cadeiras de couro preta reclinável e, ali mesmo, ela começou a sessão com a cera quente. Eu estava morrendo de vergonha, mas as outras pessoas, inclusive as meninas que entravam para fazer a sobrancelha com linha egípcia (e saíam com os olhos marejados de dor), pareciam acostumadas com esse tipo de situação. Acho que eu fiquei tão constrangida, que nem senti dor.

Irônico, não? A mulher americana ter pudores nesse sentido e as indianas serem “liberais” assim, assistindo à sessão de depilação de outrem?

Paguei a conta e saí de lá na minha bicicleta para ir até a cafeteria a fim de encontrar Lucia e Sandra. Rapidamente, cheguei no local e elas estavam em uma mesa com outros meninos do projeto de Sandra.

Comi um sanduíche, enquanto eles conversavam, e já estava ficando entediada com as constrangedoras perguntas de Lucia sobre o comportamento da sociedade indiana.

Ela chegou a perguntar se era verdade que os alunos das faculdades indianas costumam se reunir em salas comunais nos dormitórios para assistir pornografia!

Avisei que ia voltar para casa, pois ainda estava chateada que nossos planos foram por água abaixo e Sandra disse que ia comigo. Os meninos disseram que era cedo e nos convidaram para ir ao restaurante tomar uma cerveja. Sandra e eu dissemos que iríamos para casa, mas Lucia, a eslovaca louca, concordou em juntar-se a eles.

Fomos para casa de bicicleta, acompanhadas por um dos meninos da AIESEC, tomamos um chá e decidimos começar a assistir “Sherlock Holmes”, o filme.

Não estávamos nem na primeira cena, quando bateram na porta. Abrimos a janela e nos deparamos com Lucia e outro membro da AIESEC. Desci para abrir a porta e ela entrou, no alto de seus 1,75m de altura, bufando de raiva.

Perguntamos o que havia acontecido e ela disse que o pessoal da AIESEC descobriu que ela tinha saído para beber e foi até o restaurante buscá-la e acompanhá-la até em casa. Parece que eles estavam muito preocupados com o comportamento de Lucia e como isso afetaria a imagem da AIESEC local. De cara, entendi que a história de seu primeiro dia conosco já estava correndo o campus, mas não quis avisá-la sobre isso para evitar mais constrangimentos para ela naquela noite.

Decidimos não terminar de assistir ao filme e deitamos, cada uma em sua cama, mergulhadas em um silêncio embaraçoso. Continuei acordada para acessar a internet e vi minhas colegas serem vencidas pelo sono. Resolvi desligar-me do mundo e ir dormir também, pois havíamos sido avisadas que às 5h da madrugada começaria um ritual de Puja (celebração de uma Deusa) no templo que fica abaixo do nosso apartamento. Sabia que daqui a pouquíssimas horas, seria acordada pelo barulho dos sinos e instrumentos do Pandit.

4 comentários:

  1. Vanessa
    Teus relatos são maravilhosos... Consigo fechar os olhos e ficar imaginando ,como se estivesse lendo um livro. Parabéns milha filha. Estou orgulhosa.
    *E essa legião de fãs? De onde está vindo?
    Estamos contando os dias p/ o teu retorno.
    Bjs
    Saudades

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  2. Amor do tio...
    1) As meninas na verdade são da torcida organizada do Inter na Índia;(não precisa lembrar que tu não queria comentários)
    2) A vovó manda dizer que nunca usou nem usaria camisola vermelha.hehehehe
    Aqui de Laguna ela te manda um beijo e tá contando os minutos prá tua volta.
    Bjosssssssssss. Te amamosssssssssss

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  3. Tá, agora tu tá querendo dizer que é celebridade na Índia? hahaha O país sem referência! hahahaa. brincadeira.. muito legal teu post! Beijão, segue firme aí que o blog tá muito interessante!!!!
    Adriano

    Ps: O Grêmio ganhou de 5 a 1 !

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  4. Cheguei hoje de SP e vim direto para ler os teus comentarios, estao mostrando em palavras tudo o que esta acontecendo,esta ótimo, o pessoal da CASAVIP empresa de lá esta acompanhando e adorando os teus relatos, almoçei com indianos a semana passada aqui em SM ,passaram slides de uma India diferente onde tudo funciona e é ótima de se viver.att Valnei

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